Política e Resenha

A Vitória de Trump e o Futuro da Esquerda

A vitória de Donald Trump e seu impacto na direita mundial reforçam um cenário de extrema polarização que vem transformando as sociedades. A ascensão de Trump, mais que uma questão nacional, simboliza o fortalecimento de um conservadorismo que rejeita as normas estabelecidas, questiona a validade dos sistemas democráticos e atrai os setores populares com promessas de ordem e prosperidade. No Brasil, o efeito espelha-se na popularidade de líderes com discursos firmes e avessos ao politicamente correto, cuja ascensão provoca uma crise de identidade na esquerda, que ainda busca caminhos para reconquistar o apoio das massas.

Durante a Guerra Fria, o equilíbrio de forças entre capitalismo e socialismo trouxe direitos aos trabalhadores na Europa Ocidental. A lógica era simples: se não quisessem que as classes baixas se inclinassem ao socialismo, os Estados capitalistas deveriam oferecer um sistema que garantisse dignidade e direitos. Antonio Candido observou que o maior legado do socialismo foi justamente no capitalismo, que se via forçado a ceder benefícios para manter o apoio das massas. Contudo, após a queda do Muro de Berlim, as estruturas de proteção aos trabalhadores começaram a ruir, e a direita gradualmente retomou sua agenda neoliberal com menos resistência.

Hoje, com líderes como Trump e Bolsonaro, a direita não apenas se fortalece, mas também mobiliza os setores populares, que outrora simpatizavam com propostas progressistas. Mas por que tantas “Marias” e “Josés” se identificam com a agenda conservadora? São as Marias das periferias, que sonham com respeito e dignidade, e que acabam sendo atraídas pelo discurso de segurança e moralidade promovido pela direita. Se sentem abraçadas por movimentos religiosos que as reconhecem, se identificam com promessas de ordem e se decepcionam com uma esquerda que, para elas, parece ter se distanciado de suas realidades e aspirações.

Frei Betto observa que o trabalho de base foi um dos grandes motores da ascensão de Lula, moldado pelo espírito das comunidades eclesiais de base e pela pedagogia de Paulo Freire. Foi esse diálogo com as classes populares que consolidou um capital eleitoral sólido, mas que atualmente parece esvaecido. Hoje, se a esquerda deseja reconquistar o povo, precisa refazer as pontes, não apenas com discursos, mas com ações que revelem um comprometimento genuíno com as necessidades e angústias da base.

O que será da esquerda se não retomar o trabalho de conscientização popular? Sem uma estratégia eficaz que atenda às demandas e sentimentos de exclusão, e sem uma comunicação massiva que dispute o espaço das redes digitais, o cenário de 2026 pode se tornar sombrio. É imperativo relembrar que os programas sociais, como o Bolsa Família ou o Minha Casa, Minha Vida, são passos importantes, mas que, sozinhos, não transformam a visão de mundo dos que os recebem. São precisos processos educativos que capacitem as pessoas a refletir sobre as origens das desigualdades e a questionar as estruturas de poder.

Se a esquerda quer sobreviver, precisa repensar sua atuação de base e suas estratégias de comunicação, trabalhando em uma educação política que alcance as Marias e Josés das periferias, capacitando-os a entender a complexidade das relações sociais e econômicas que influenciam suas vidas. Sem isso, o próximo ciclo eleitoral será apenas mais uma confirmação da força crescente de um conservadorismo que se enraíza nas classes populares, alimentado por uma narrativa de segurança e moralidade, que, na falta de alternativas palpáveis, continuará sendo a escolha de quem mais precisa de dignidade e respeito.

**Padre Carlos