Há uma pergunta que me assombra nas madrugadas, quando o silêncio revela o peso das ausências: onde nos escondemos, amigo querido? Em que esquina do tempo deixamos nossa conversa solta, nossa risada despretensiosa, aquele café que nunca marcamos? Vivemos engolidos por uma maratona invisível, onde cada minuto é um compromisso, cada dia uma lista de tarefas, e os anos se transformam em folhas secas arrastadas pelo vento. O mundo nos sussurra que correr é preciso, mas o coração, esse teimoso jardineiro, insiste em regar as raízes que um dia plantamos juntos.
A vida moderna nos transformou em folhas de outono. Somos levados pelo vendaval das obrigações: reuniões, prazos, contas a pagar, notificações que piscam como sirenes de emergência. O vento nos dispersa para empregos em outras cidades, rotinas opostas, famílias que demandam atenção. E, sem perceber, trocamos os abraços demorados por mensagens curtas, as visitas por emojis, a cumplicidade por stories vistos e não comentados. É fácil justificar: “A semana foi louca”, “Depois a gente marca”, “Prometo que ligo”. Mas o depois vai se enrolando, e o que era um intervalo vira um abismo.
No entanto, quero que você guarde isto: o coração não entende de cronogramas. Ele não se perde nos fusos horários, não se rende à lógica do “não tenho tempo”.
Lembro-me de um velho monge que conheci no Mosteiro de São Bento, que carregava no bolso um bloco de papel para carta e um caderninho com os endereços dos antigos amigos que não via há décadas. “A saudade não tem data de validade”, dizia, enquanto escrevia as cartas sem saber se ainda existiam. Um dia, questionei se valia a pena escrever para quem já não fazia parte da sua rotina. Ele me olhou com doçura irritante: “Afeto não é coisa de rotina. É coisa de raiz”.
ou com doçura irritante: “Afeto não é coisa de rotina. É coisa de raiz”.
E é assim que funcionam os laços verdadeiros. Podemos não nos falar há meses, anos, podemos ter envelhecido em direções diferentes, acumulado histórias que o outro não conhece. Mas há um fio invisível tecido de memórias compartilhadas que não se rompe. Aquele ombro que serviu de refúgio numa crise, a loucura da adolescência, o segredo que só você sabe — tudo isso fica guardado em um lugar intocado pelo tempo. O coração não muda de lugar. Ele permanece ali, com a mão estendida, o peito aberto, o ouvido pronto.
Não me engano: a distância dói. Há amigos que viram fantasmas nas redes sociais, rostos que escorrem pela memória, tios que não conhecemos mais. A tecnologia, que prometeu aproximar, muitas vezes nos deixou mais solitários — afinal, quantos “tudo bem?” trocamos por medo de ouvir um “não” que não teremos tempo de acolher? Mas se há uma verdade que aprendi com as estações é que o outono não mata as árvores; ele apenas as prepara para renascer. Assim são os afetos: mesmo adormecidos, mantêm-se vivos no subsolo da alma.
Por isso, amigo querido, deixo aqui este recado nas entrelinhas do papel: não importa onde o vento te levou, nem quantas tempestades você enfrentou sozinho. Se um dia a saudade apertar, se a solidão sussurrar que você está esquecido, lembre-se desta crônica. Escreva. Ligue. Apareça. Não há explicações necessárias, não há culpa a ser carregada. O meu carinho — e o seu também — não precisam de justificativas. São como as estrelas: mesmo que não as vejamos todas as noites, elas seguem lá, fixas, iluminando o mesmo pedaço do céu.
O mundo vai continuar girando louco, é claro. As folhas secas vão dançar, os relógios vão correr, e nós, humanos frágeis, vamos tropeçar na ilusão de que tempo é algo que se controla. Mas hoje, agora, pare. Respire. E repita comigo, como um mantra contra o caos:
Nosso coração não muda de lugar.
Ele ainda bate no mesmo endereço onde um dia plantamos amizade. Basta bater à porta.