Política e Resenha

Ao Tempo, Escultor de Rostos e Almas (Padre Carlos)

 

 

 

 

Há uma quietude peculiar naqueles que carregam nas rugas não apenas anos, mas histórias. Quem teve o privilégio de viver muito sabe que o tempo não é um relógio, mas um mestre caprichoso. Ele não obedece à linearidade dos ponteiros; ensina com a imprevisibilidade de um rio. Às vezes, suas lições chegam como enxurradas, arrastando certezas e desmanchando planos. Outras vezes, são sutis como o orvalho que umedece a terra sem pressa, gota a gota, diante das perguntas que fazemos à vida — frágeis e persistentes como a ave-de-íris que paira sobre flores, buscando néctar.

O tempo nos concede, primeiro, a ilusão do controle. Acreditamos que amores ardentes são eternos, que urgências não podem esperar, que a agilidade dos passos jamais se cansará. Mas ele, paciente e irônico, desfia cada uma dessas certezas. Um dia, olhamos para trás e percebemos que as chamas se transformaram em brasas serenas, que as corridas desesperadas deram lugar a caminhadas contemplativas, e que os corpos, outrora incansáveis, agora carregam o peso sagrado da memória. A vida, afinal, é um baile onde todos dançamos, mesmo quando o ritmo muda sem aviso.

Como disse Caetano: “É um senhor tão bonito Quanto a cara do meu filho Tempo, tempo, tempo, tempo Vou te fazer um pedido…”

O que surpreende não é a mudança — ela é inevitável —, mas a forma como o tempo molda nossa relação com ela. Famílias se reinventam, amigos partem, novos rostos surgem, e nós, espectadores e protagonistas, aprendemos a ver o turbilhão com olhos serenos. Não porque a dor seja menor, mas porque compreendemos que nada fica parado. Até o amor, esse eterno fugitivo, se transfigura: do arrebatamento juvenil à ternura que se alimenta de silêncios compartilhados.

E no centro desse redemoinho, apenas o tempo permanece inalterado em sua essência. Ele não acelera, não hesita, não se comove. Passa. É o único convidado do baile que nunca se senta, nunca cansa, nunca pede licença. E é justamente essa indiferença majestosa que nos permite, paradoxalmente, encontrar beleza na efemeridade. Cada ruga, cada cicatriz, cada fio branco são marcas de uma conversa íntima com ele. São medalhas de sobrevivência, testemunhas de que estivemos aqui, vulneráveis e corajosos, enquanto ele nos esculpia.

Por isso, hoje, ergo meu brinde ao tempo. Não ao tempo inimigo, que assombra os jovens com seu suposto “desperdício”, mas ao tempo aliado, que nos ensina a arte invisível de renascer. Ao tempo que, mesmo quando nos fere, nos entrega de presente a sabedoria de enxergar luz nas frestas. Ao tempo que transforma lágrimas em rios e risos em constelações.

Que possamos honrar suas marcas, não como sinais de decadência, mas como hieróglifos de uma existência plena. E que, no fim do baile, quando a música cessar, possamos dizer: “Valeu a pena. Até as quedas foram parte da dança”.

Ao tempo. Sem ressentimentos, apenas gratidão.