(Padre Carlos)
A notícia de que o ex-presidente Fernando Collor cumprirá sua pena de prisão em um apartamento de luxo de 600 m², avaliado em R$ 9 milhões, à beira-mar de Maceió, nos força a um exercício de consciência nacional. Um homem condenado por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa, crimes que sangram a ética e a esperança do povo brasileiro, cumprirá sua “pena” com vista para o azul do Atlântico, em um espaço digno de uma monarquia em decadência.
Essa decisão judicial, por mais fundamentada que esteja nas normas jurídicas e razões de saúde, revela o abismo entre a justiça que atinge os pobres e a que protege os privilegiados. A chamada “prisão domiciliar humanitária” de Collor, acompanhada de tornozeleira e visitas controladas, soa quase como ironia cruel diante do destino de milhares de brasileiros que apodrecem em celas superlotadas por furtos famélicos ou delitos de sobrevivência.
Há algo de podre no ar quando o símbolo de um dos maiores escândalos de corrupção da história recente do país é acolhido com o conforto que 99% da população jamais terá, mesmo em liberdade. O recado que se transmite à sociedade é devastador: o poder, o sobrenome e os contatos podem suavizar até mesmo as consequências de uma condenação no Supremo Tribunal Federal.
Vivemos um tempo de inversão simbólica. O cárcere virou cobertura. A punição virou privilégio. E a dor da condenação foi suavizada pelo mármore e o ar-condicionado de um edifício de luxo. Não se trata aqui de desejar o sofrimento alheio, mas de clamar por coerência e isonomia. A justiça, para ser justa, precisa ser igual para todos — ou não será justiça, será apenas aparência.
Fernando Collor, ao sair do presídio e adentrar o hall de sua cobertura, leva consigo não apenas o peso da tornozeleira, mas o da descrença nacional. O povo, cansado de farsas e jogos palacianos, merece mais do que esse espetáculo indecente travestido de legalidade.
Talvez a praia que se avista da varanda sirva como metáfora: o Brasil é lindo à distância, mas suas ondas escondem naufrágios morais e institucionais profundos.