Política e Resenha

ARTIGO – A Eternidade do Amor em um Relógio Parado: Quando a Saudade Não Cabe no Tempo

 

 

 

 

 

Há uma mentira confortável que repetimos como mantra coletivo: “o tempo cura todas as feridas”. Emily Dickinson, em versos cortantes, desmonta essa ilusão. “Se o tempo fosse remédio, nenhum mal existiria”, desafia a poeta, revelando que certas dores não se dissolvem no calendário, mas se entranham na alma, tornando-se parte indelével de quem somos. Lucas Dias, um nome que ecoa como um suspiro entre linhas escritas por um coração materno, é a prova viva — ou melhor, a prova eterna — de que o amor não obedece à cronologia.

Passaram-se 5 anos e 10 meses. Para o mundo, um período mensurável. Para uma mãe ou um pai que carregam a ausência de um filho, é como se o relógio tivesse parado no exato instante em que o futuro foi interrompido. A saudade, longe de amenizar, expande-se. Cresce em silêncio, invade os cantos mais íntimos da memória e se faz presente até no ar que falta quando um abraço esperado nunca chega. Não há algoritmo que calcule essa dimensão. A dor da perda não é um problema a ser resolvido; é uma linguagem nova, um mapa de afeto que se recalibra a cada dia.

Lucas, cuja história é tecida nas palavras de quem o ama, não é um fantasma do passado. Ele habita o presente através de risadas lembradas, de aventuras transformadas em narrativas sagradas, de um amor que se recusa a ser reduzido à nostalgia. Aqui, a maternidade ou paternidade enlutada revela seu paradoxo mais cruciante e belo: é possível seguir em frente carregando um peso que não se torna mais leve, mas que, de tão imenso, ensina a caminhar com ele. A estrada acidentada, pavimentada por lágrimas, também é iluminada por clarões de gratidão — pelos momentos roubados ao destino, pelo privilégio de ter amado alguém que deixou marcas tão profundas.

Dickinson tinha razão: dor real não se debela, se transforma. Transforma-se em coragem para acordar todos os dias e duelar com o vazio. Em força para encontrar significado naquilo que, para outros, parece intragável. E, principalmente, em resistência para não permitir que a morte tenha a última palavra. Quando um pai ou uma mãe diz “trago-te vivo em mim”, eles estão reescrevendo as regras da existência. A vida de Lucas não terminou; migrou para um território onde o tempo não dita as regras. Sua presença agora é feita de vento, de cheiro, de canções que só o coração reconhece.

É fácil romantizar a dor alheia, sugerir que há “um propósito” em todo sofrimento. Mas a verdade é mais complexa. Aceitar que a saudade cresce com os anos não é sobre resignação; é sobre honestidade. É reconhecer que certas feridas sangram para sempre, mas que, mesmo assim, não nos impedem de dançar sob a chuva. O luto aqui não é uma fase, mas um companheiro de jornada — áspero, incômodo, mas também testemunha do amor que não se rende.

Para além das lágrimas, como bem lembrou minha amiga, há risadas. Há a leveza de saber que, em algum lugar entre o infinito e o além, o amor construído não se perdeu. Ele pulsa nas histórias contadas, nas fotos revisitadas, nos sonhos que teimam em visitar as noites mais escuras. Seguir não é esquecer; é escolher carregar um tesouro que ninguém vê, mas que sustenta cada respiração.

Enquanto o mundo insiste em vender a ideia de que a cura está na passagem do tempo, histórias como a de Lucas Dias nos lembram que algumas curas não existem — e não precisam existir. Porque o amor, quando verdadeiro, não se cura; se habita. E nessa morada, mesmo entre escombros, ainda se planta jardins.

Ao fim, talvez o maior ato de rebeldia contra a fugacidade da vida seja justamente este: fazer da saudade um altar, e do tempo, não um inimigo, mas um aliado que nos permite dizer, todos os dias, “eu ainda te amo”. Do infinito ao além.

Padre Carlos