*Padre Carlos*
A história de Delmiro Gouveia é um conto fascinante de genialidade e coragem, uma jornada que leva o sertão nordestino ao cerne da modernidade industrial e social. O menino encantado pelo apito do trem tornou-se um dos maiores inovadores do Brasil, um gênio maldito que desafiou o status quo e construiu um império a partir da miséria.
Nascido em 5 de junho de 1863, no Ipu, Ceará, Delmiro era filho de um negociador de cavalos que morreu na Guerra do Paraguai e de uma mulher que sustentava a família vendendo bolos e doces. Após perder a mãe e ser deixado à própria sorte, Delmiro passou a vender bilhetes de trem e, em pouco tempo, transformou-se em um burocrata da Alfândega do Porto de Recife. Sua trajetória de semi-analfabeto a um dos maiores exportadores de peles de bode do Brasil é emblemática de sua visão e determinação.
O verdadeiro marco de sua genialidade foi a criação do Mercado do Derby em 1899, o que pode ser considerado o primeiro shopping do Brasil. Com 264 lojas, o Mercado foi um espaço inovador que trouxe o cosmopolitismo europeu ao sertão, funcionando até as dez horas da noite e atraindo clientes de toda a região. Sua capacidade de combinar o moderno e o tradicional era impressionante, revelando um espírito inovador e uma ambição que ultrapassavam as fronteiras do sertão.
Delmiro Gouveia também revolucionou o Nordeste ao estabelecer a primeira fábrica de linhas e tecidos da América Latina em 1914, empregando cerca de 1.700 pessoas, das quais 600 eram mulheres. Este empreendimento não só introduziu práticas de trabalho modernas, como a jornada de oito horas, mas também desafiou o domínio dos coronéis locais, promovendo uma nova era de industrialização e progresso.
Seu impacto não se limitou ao campo econômico; Delmiro também trouxe inovação social. Fundou a primeira creche no sertão, implementou um código de higiene, e promoveu noções de ecologia e irrigação. Sua visão era abrangente, abrangendo tanto o desenvolvimento industrial quanto o bem-estar social.
No entanto, o sucesso de Delmiro não foi aceito por todos. Sua ousadia em enfrentar concorrentes e estabelecer novos padrões atraiu inimigos. A sociedade puritana da época ficou escandalizada com seu casamento com uma jovem de 16 anos, filha de uma autoridade republicana. E a sua morte, envolta em mistério, permanece um enigma. Teria sido obra dos concorrentes ou dos oligarcas locais? A verdade nunca foi esclarecida.
Delmiro Gouveia, com sua combinação de visão empreendedora e coragem pessoal, é um ícone do Brasil. Sua história é uma prova do poder da determinação e da inovação. Ele transformou a realidade do sertão, introduzindo gelo, automóveis e industrialização em uma época em que essas inovações pareciam impossíveis. Seu legado perdura em escolas, praças e até cidades que levam seu nome, lembrando-nos do impacto duradouro de sua contribuição ao Brasil.
Inspirado pela marcante palestra que o Dr. Ruy Medeiros proferiu ao clero de Vitória da Conquista há vinte anos, conheci a fascinante figura de Delmiro Gouveia. Desde então, sua trajetória se tornou, para mim, uma vibrante celebração da capacidade humana de superar desafios e da força transformadora da inovação, capaz de reescrever o destino de uma nação inteira.