O Brasil vive uma crise silenciosa de representatividade. Não aquela dos palanques eleitorais ou dos discursos inflamados no Congresso Nacional, mas uma muito mais sutil e perversa: a simulação de democracia participativa. O caso das concessões rodoviárias que se desenha diante de nossos olhos é um exemplo cristalino desta farsa institucionalizada.
Estamos diante de um processo que, sob o verniz da legalidade, esconde uma decisão já tomada nos bastidores do poder. As audiências públicas, que deveriam ser instrumentos genuínos de escuta e ajuste de políticas públicas, transformaram-se em teatro burocrático, em ritual vazio para constar em atas e relatórios.
O pacote apresentado é uma afronta à inteligência do cidadão. Obras essenciais postergadas para o oitavo ano de contrato? Isto não é planejamento responsável – é procrastinação institucionalizada! Enquanto isso, como compensação perversa, o contribuinte será presenteado com o dobro de pedágios e tarifas. Uma matemática que só faz sentido para quem lucra, nunca para quem paga.
O que assistimos não é um diálogo entre Estado e sociedade, mas um monólogo onde o poder finge ouvir enquanto segue seu roteiro pré-determinado. Esta é a verdadeira face do nosso déficit democrático: instituições que simulam abertura enquanto blindam seus processos decisórios contra a influência cidadã real.
A duplicação do número de praças de pedágio – de sete para catorze – é a materialização desta lógica perversa. Não bastasse o aumento do valor, multiplicam-se os pontos de cobrança. Para quem serve este modelo senão aos interesses econômicos que há décadas capturam nossas políticas de infraestrutura?
Mas não podemos sucumbir ao cinismo fácil. A verdadeira cidadania exige mais do que indignação passiva. Precisamos transformar frustração em mobilização. Se as audiências públicas se tornaram palcos de legitimação de decisões já tomadas, cabe a nós, cidadãos organizados, criar novos espaços de pressão e controle social.
É imperativo que documentemos meticulosamente cada promessa não cumprida, cada desvio entre o discurso e a prática. Que formemos comitês de acompanhamento permanente das concessões. Que utilizemos todos os instrumentos legais – desde pedidos de informação até ações civis públicas – para garantir transparência real.
A sociedade brasileira merece mais do que simulacros de participação. Merece instituições que não apenas ouçam, mas que efetivamente incorporem as demandas legítimas da população em suas decisões. Se o Estado não se dispõe a transformar suas práticas, cabe a nós transformá-lo, através da pressão cidadã organizada e persistente.
O verdadeiro teste de uma democracia não está na existência formal de mecanismos participativos, mas na capacidade real de influência que os cidadãos exercem sobre as decisões que afetam suas vidas. Por este critério, o que vemos hoje no Brasil é um sistema que simula democracia enquanto pratica autocracia tecnocrática.
A luta por participação efetiva é, em última análise, a luta pela dignidade cidadã. É a recusa em ser tratado como mero espectador de decisões que impactam diretamente nosso cotidiano e nosso futuro. É hora de resgatar o verdadeiro sentido das audiências públicas, transformando-as de ritual vazio em arena efetiva de construção democrática.