Política e Resenha

ARTIGO – A Igreja de Dois Pesos e Duas Medidas: A Contradição do Celibato no Reino Unido (Padre Carlos)

 

 

 

 

A Igreja Católica, em sua longa e complexa história, tem se colocado como uma defensora de princípios imutáveis. No entanto, quando nos deparamos com a questão do celibato clerical e sua aplicação diferenciada no Reino Unido, surge uma inquietante contradição. Enquanto a Igreja insiste em manter o celibato obrigatório para padres no mundo todo, ela abriu uma exceção significativa no Reino Unido, permitindo que padres anglicanos convertidos ao catolicismo, como Robin Farrow, sejam ordenados sem a exigência do celibato.

Essa decisão, tomada pelo então Papa Bento XVI, não foi fruto de uma reconsideração teológica ou uma reflexão pastoral sobre a vida sacerdotal. Pelo contrário, foi uma manobra estratégica para atrair anglicanos insatisfeitos para a Igreja Católica. Isso levanta questões éticas e morais sobre a coerência da Igreja em suas práticas: Por que no Reino Unido os padres casados são bem-vindos, mas no restante do mundo são marginalizados?

Essa situação revela uma Igreja que, em certos momentos, age conforme lhe convém. A defesa do celibato como um símbolo do triunfo do espírito sobre a carne parece perder força quando a conveniência política e o desejo de atrair novos fiéis entram em cena. O argumento central da Igreja para manter o celibato – a dedicação plena ao ministério e o distanciamento das preocupações familiares – torna-se um discurso vazio quando se permite que homens casados e com filhos sejam ordenados em algumas regiões, enquanto em outras são deixados de lado.

Padres casados, que em outros países escolheram formar uma família, continuam suspensos de suas funções, muitas vezes vivendo à margem da Igreja à qual dedicaram anos de suas vidas. Não há espaço para eles nos púlpitos de suas paróquias, e o seu amor por suas famílias é visto como uma quebra da “dedicação total” que o ministério exige. Mas por que essa “dedicação total” não é uma exigência para os convertidos do Reino Unido? Por que padres casados de países como o Brasil, África ou América Latina não recebem o mesmo tratamento? A resposta é clara: dois pesos, duas medidas.

Se o celibato não tem base bíblica – afinal, Pedro, considerado o primeiro Papa, era casado –, então por que mantê-lo como uma exigência universal? E se a Igreja pode abrir exceções, como fez no Reino Unido, por que não fazê-lo em todo o mundo? O Sínodo sobre a Sinodalidade, que está em curso, deve enfrentar esse dilema de frente. Se não for discutido com seriedade e reparado de forma justa, esse sínodo corre o risco de ser lembrado não como um momento de renovação, mas como mais uma oportunidade perdida.

A Igreja tem em suas mãos a chance de se reconciliar com seu próprio clero, aqueles que, por amor à vocação e à família, escolheram um caminho que deveria ser aceito e celebrado. A exclusão de padres casados de seus ministérios é uma ferida aberta que o Sínodo pode e deve curar. Se há espaço para padres casados no Reino Unido, deve haver espaço para eles em todo o mundo.

O argumento de que o celibato é necessário para evitar a divisão de bens da Igreja entre herdeiros, como era a preocupação no século XII, é ultrapassado e não reflete as realidades do mundo atual. Hoje, a maior herança que um padre pode deixar é o legado espiritual e pastoral, algo que independe de sua vida familiar. Manter essa restrição como uma regra absoluta apenas alimenta uma visão arcaica e desigual da Igreja.

Em um momento de reflexão profunda, a Igreja deve escolher entre a conveniência e a justiça. Não podemos continuar a permitir que existam padres de “segunda classe” simplesmente porque escolheram constituir família. Se a Igreja deseja ser verdadeiramente sinodal, inclusiva e justa, precisa abandonar essa política de dois pesos e duas medidas. Padres casados, assim como suas esposas e filhos, são parte legítima do corpo de Cristo e devem ser plenamente reintegrados ao ministério.

Que o Sínodo, longe de ser um mero fórum de debates teóricos, seja o espaço de uma verdadeira renovação. Se não houver reparação, então a promessa de sinodalidade será vazia.