A recente condenação da deputada Carla Zambelli pelo Supremo Tribunal Federal, por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com uso de arma, ecoa como um necessário freio à crescente tentação de resolver desavenças e ofensas no braço e, pior, com o uso de artefatos letais. A decisão da Suprema Corte, ao rechaçar explicitamente a ideia de que uma ofensa, por mais grave que seja na percepção individual, possa justificar uma reação armada, reforça um dos pilares do Estado Democrático de Direito: o monopólio legítimo da força reside no Estado, e a resolução de conflitos deve se dar pelas vias legais e institucionais.
Não passou despercebida a antecipação do voto do ministro Dias Toffoli, sinalizando uma coesão na Corte em torno da importância de demarcar essa fronteira. Em tempos de polarização exacerbada, onde a retórica inflamatória e as agressões verbais se tornaram quase corriqueiras, a firmeza do STF em não tolerar a transposição dessas ofensas para o campo da violência física armada é fundamental para a manutenção da ordem e da paz social. A mensagem é clara: a resposta à agressão verbal, por mais visceral que seja a emoção no momento, não pode e não deve ser o recurso à violência armada.
As implicações dessa decisão para o Estado Democrático de Direito são profundas. Ao validar a condenação, o STF não apenas responsabiliza uma figura pública por seus atos, mas também estabelece um precedente crucial para a sociedade como um todo. Permite-se reafirmar que a posse e o uso de armas de fogo são regulamentados e excepcionais, e não um direito irrestrito a ser exercido como forma de autodefesa ou de resposta imediata a qualquer tipo de provocação. A busca por “justiça” pelas próprias mãos, especialmente quando envolve o uso de armas, mina a confiança nas instituições e nos mecanismos legais de resolução de conflitos, nos aproximando perigosamente de um estado de barbárie onde a lei do mais forte prevalece.
Em um cenário político cada vez mais tensionado, onde a linha entre a discordância ideológica e a animosidade pessoal parece se esgarçar, a decisão do Supremo serve como um lembrete de que, apesar das divergências e das paixões inflamadas, existem limites que não podem ser ultrapassados. O Estado Democrático de Direito se sustenta na crença de que a lei é o instrumento civilizatório capaz de garantir a coexistência pacífica e a resolução justa dos conflitos. A condenação de Zambelli é, portanto, mais do que a punição de um ato individual; é um reforço da premissa de que, no Brasil, a lei deve sempre prevalecer sobre a selvageria das reações armadas.
(Padre Carlos)