Política e Resenha

ARTIGO – “Ama e Faz o que Quiseres”: O Amor como Caminho e Critério do Cristão

 

(Padre Carlos)

Diante dos dramas contemporâneos — guerras, desigualdades, injustiças, violências de toda ordem —, a pergunta que ecoa da liturgia do Evangelho deste domingo (Jo 13,31-33a.34-35) é uma provocação de Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Mas… é possível amar num mundo tão ferido? A Igreja, com a força de séculos de testemunho e com a lucidez dos seus santos, responde sem hesitação: Sim, é possível amar. Por quê? Porque Deus é Amor, e este amor não é uma abstração, um sentimento efêmero, uma vibração mística ou uma filosofia bonita. Deus é uma Pessoa, é o Espírito Santo, que habita em nós e nos torna capazes de amar como o próprio Deus ama.

1. O Amor de Deus se manifesta na Criação e pela Caridade

A criação é o primeiro cântico do amor divino. O mundo, em sua beleza e harmonia, é o reflexo de um Deus que ama a ordem, a diversidade e a comunhão. Mas mais do que contemplar o amor de Deus na natureza, somos chamados a experimentá-lo em nós pela caridade, essa força interior que nos faz semelhantes a Deus.

Santo Agostinho nos ensina: a caridade não é apenas um sentimento humano, mas o próprio Deus amando através de nós. É o Espírito Santo que, uma vez acolhido no coração, inflama-nos de amor por Deus e pelos irmãos. Amar com caridade é permitir que o amor de Deus passe por nós como por um canal limpo e aberto. Nesse sentido, não é apenas quem é amado que se transforma, mas o próprio amante, pois se torna filho de Deus e imagem restaurada d’Ele.

A caridade, portanto, não é uma opção a mais entre as virtudes. É o critério decisivo para sabermos se pertencemos a Deus: “A caridade é o único sinal que distingue os filhos de Deus dos filhos do demônio” (Santo Agostinho).

2. O Amor de Deus se revela na Encarnação e na Cruz

Se a criação é o sussurro do amor divino, a cruz é o seu grito mais alto. Deus, ao fazer-se homem em Jesus Cristo, expôs-se às dores do mundo, não como observador, mas como solidário e redentor. Em Jesus, o amor não é um discurso, mas um corpo entregue, um sangue derramado, uma vida doada até o fim.

A cruz é escândalo para os poderosos, loucura para os orgulhosos, mas para os que creem, é a suprema prova de um amor que não retrocede diante da morte. Cristo não amou apenas a humanidade em massa, mas a cada um de nós pessoalmente: “Ele me amou e entregou-se por mim” (Ef 5,2). Este amor apaixonado e fiel é o que confere valor eterno a cada vida humana, especialmente àquela que o mundo descarta.

3. O Amor de Deus se concretiza no Amor ao Próximo

O verdadeiro discípulo de Cristo ama como Ele amou: sem distinções, sem limites, sem esperar nada em troca. A caridade é o estágio mais elevado do amor, porque é o dom que nos une a Deus e nos faz instrumentos da Sua graça. Não se trata de amar os que nos amam, mas os inimigos, os excluídos, os pobres, os desprezados, como Cristo fez.

Agostinho é contundente: “Todo homem deve ser amado por causa de Deus”. Este é o desafio do cristão: amar a todos como a nós mesmos, desejar para o outro o mesmo bem que queremos para nós. E esse bem maior é a própria comunhão com Deus. O amor, quando é caridade verdadeira, não se contenta em aliviar sofrimentos, mas deseja a salvação do outro.

4. Onde amar? Em todo lugar, sempre

O amor cristão deve brilhar especialmente:

  • Na Igreja, nossa família espiritual, onde devemos ser reconhecidos como discípulos por nosso amor mútuo.

  • Na família e nos ministérios, onde o amor se revela em serviço, fidelidade e doação.

  • Na sociedade, onde a caridade se traduz em justiça, cidadania, solidariedade e compromisso com o bem comum.

O amor fraterno é a única força capaz de curar o coração humano e transformar a sociedade. Ele rompe as barreiras entre ricos e pobres, entre raças e culturas, entre ideologias e nações. Mas atenção: esse amor não brota de esforço meramente humano. É dom de Deus, é graça que deve ser pedida, cultivada e vivida.

Como disse Santo Agostinho: “Ama e faze o que quiseres”. Se a raiz for o amor verdadeiro, o fruto será sempre bom. Se nos calarmos, que seja por amor; se falarmos, que seja por amor. Só assim viveremos a liberdade dos filhos de Deus.

Conclusão: o amor é possível — e é o único caminho

A resposta à dor do mundo, à violência, ao desespero, não é o ódio nem a vingança, mas o amor que vem de Deus e se chama caridade. Este amor é o selo dos verdadeiros filhos, a marca dos verdadeiros santos, o único critério que Deus usará para nos julgar no fim dos tempos.

Quem ama com o amor de Deus já vive aqui a eternidade. Que a graça nos conceda esse dom, e que possamos ser, no tempo presente, testemunhas do amor eterno.