Política e Resenha

ARTIGO – Amigo não é coisa e se guarda no coração (Padre Carlos)

 

 

Amigo não é coisa, e se guarda no coração – e não é só uma frase bonita, é uma constatação que os anos gravam no peito com caligrafia firme e traços de saudade.

Hoje, pergunto a mim mesmo: quantos amigos, de fato, me acompanham? Poucos. Os dedos de uma mão parecem sobrar, e mesmo assim, cada um desses é um relicário, uma joia que resistiu às tempestades, ao tempo, ao silêncio das ausências.

Passei a catalogar, como um velho bibliotecário da alma, as amizades de cada fase da vida. Os amigos da infância, da Pituba – quando ainda era um balneário sonolento e elegante da classe média soteropolitana. Onde andará aquele menino com quem dividia as tardes de verão, o jogo de bola na areia, os segredos que só a inocência conhece?

Na juventude, outros rostos me guiaram. Aquele que me empurrou, com palavras e coragem, para os primeiros passos na militância política. Os companheiros das noites mal dormidas nas reuniões da Pastoral Operária, a militância nos anos de chumbo, no calor transformador do Nordeste de Amaralina. E ainda os irmãos do seminário de Filosofia em Vitória da Conquista, e depois, os da Teologia em Belo Horizonte – cada um com sua partitura no grande concerto da minha formação.

As cidades mudaram, os bairros ficaram para trás, e as cartas deixaram de chegar. Não havia internet, nem e-mail, nem um simples telefone para segurar os vínculos. Hoje, com um toque no celular posso ver o rosto de quem está do outro lado do mundo – mas isso não basta para reacender o calor de uma amizade que se vivia nos gestos, nas partilhas de mesa e de sonhos.

O tempo não apagou esses amigos, mas os tornou saudade. Alguns reapareceram na maré das redes sociais, mas a conexão era fria, como se a lembrança não bastasse para reacender a chama. Outros silenciaram. Não por falta de carinho, talvez por excesso de vida. Mudamos todos – e não somos mais os que fomos.

Foi então que percebi: há os amigos que se vivem, e os que se guardam. E esses últimos, ainda que não estejam aqui, caminham comigo em memórias acesas.

Os “amigos” virtuais se multiplicam com cliques. Mas amizades verdadeiras não nascem de curtidas. Precisam de tempo, de verdade, de convivência. E quando existem, sobrevivem ao que for – ao tempo, à distância, às mudanças.

Ainda cultivo novos laços em Vitória da Conquista, onde a vida madura me presenteia com presenças fiéis. Aqui, as amizades não são contadas em números, mas em gestos. E talvez, a beleza de tudo isso seja justamente essa: saber que mesmo poucos, os verdadeiros amigos são tudo – e, de fato, não são coisa. São alma. São coração.

Amigo…

Amigo não é coisa.

Amigo se guarda… no coração.

E não se trata de uma frase bonita.

É uma constatação daquelas que a vida escreve devagar…
Como quem entalha com cuidado as certezas que o tempo não apaga.

Me pergunto:
Quantos amigos eu realmente tenho?
Poucos. Muito poucos.
Os dedos de uma mão, talvez…
Mas cada um deles é um relicário de afeto.

A vida me levou por tantos caminhos.
Salvador, Vitória da Conquista, seminários, militâncias, ruas e silêncios.
Amigos ficaram…
Outros, partiram com o vento.

E havia um tempo em que a amizade morava nas cartas,
No banco da praça,
No pão dividido ao meio.

Hoje…
Basta um clique para ter mil “amigos”.

Mas amizade verdadeira não nasce com um “aceitar solicitação”.
Ela nasce nos gestos, nas ausências que doem,
Nos reencontros que emocionam.

Alguns desses reencontros, confesso…
Vieram pelas redes sociais.
Mas foram frios. Distantes.
Como se o tempo tivesse congelado aquilo que foi tão vivo.

Tentei reacender amizades antigas.
Recebi silêncio.
E compreendi…
Que nem sempre a memória basta para manter vivo o laço.

Ainda assim, guardo todos.

Os da Pituba ensolarada,
Os dos porões da militância,
Os das manhãs filosóficas,
E os das tardes teológicas…

Cada um mora aqui, em algum canto do peito.

Hoje, celebro os que ainda estão.
Os poucos — mas inteiros.
Os que não precisam estar presentes para serem presença.

Porque amigo, meu caro…
Amigo de verdade…
Não é número.
É vínculo.

E por isso mesmo,
Não é coisa.

É alma.
É eternidade.

E se guarda…
No coração.