Política e Resenha

ARTIGO – Ciro sai do armário político e dança com os bolsonaristas

 

(Padre Carlos)

Se alguém ainda tinha dúvidas sobre a elasticidade ideológica de Ciro Gomes, o encontro no Ceará desta semana oferece uma resposta lapidar. O ex-ministro, ex-governador e eterno presidenciável do PDT resolveu experimentar um novo figurino: o de articulador de uma frente antipetista ao lado de lideranças do bolsonarismo raiz. A ironia, aqui, é densa o bastante para ser cortada com faca de pão.

Ciro, que por anos pintou Bolsonaro como uma ameaça fascista à democracia — e com palavras que só ele sabe temperar com fúria cearense e erudição francófona —, agora estende a mão e o elogio. Disse ver em um bolsonarista “todos os dotes e qualificações”, chamando-o de “homem decente, de fé”. Um tributo que parece saído do catecismo político da extrema-direita. Haja coerência, ou falta dela.

A questão central não é a mudança de rota — políticos mudam de posição, fazem alianças estratégicas, recalculam caminhos. A questão é a brutalidade da guinada e a tentativa pueril de disfarçá-la com o verniz do “bem do Ceará”. Afinal, o homem que se dizia defensor de um projeto nacional desenvolvimentista com tintas de esquerda democrática agora posa para fotos com os filhos legítimos do lavajatismo autoritário.

Pode-se argumentar que o gesto de Ciro é puro pragmatismo. Que ele não deseja, de fato, voltar a disputar cargos — ainda que sua fala, como sempre, seja ambígua o suficiente para deixar a porta entreaberta. “Não desejo ser candidato”, disse. Mas, claro, “à luz dessa salvação do Ceará”, ele não se exime do chamado. Ciro é, afinal, um homem que jamais desiste de si mesmo.

O PDT, por sua vez, insiste que pretende encabeçar a chapa ao governo do Estado em 2026. Mas com quem? Com quais alianças? Com que discurso? Vai mesmo amarrar sua trajetória histórica, marcada por Brizola e pela luta contra a ditadura, a uma coalizão com os herdeiros políticos da truculência que foi Bolsonaro?

Esse é o tipo de pirueta que compromete a espinha dorsal de qualquer projeto político sério. O problema de Ciro não é apenas seu temperamento colérico ou sua verborragia intempestiva — é sua crescente incoerência. É sua disposição em jogar no lixo um legado político razoável em nome de uma revanche pessoal contra o PT, seu velho desafeto. O antipetismo virou, para ele, um altar no qual está disposto a sacrificar até os princípios que o tornaram, por algum tempo, uma voz dissonante e necessária no debate nacional.

A aliança com os bolsonaristas não é apenas uma traição a seus eleitores mais fiéis. É também um gesto simbólico de desesperança — como se dissesse que, no Brasil de 2026, não há mais espaço para alternativas ao petismo senão pelo abraço oportunista com os espectros do bolsonarismo.

Se Ciro saiu do armário, como dizem alguns com ironia, não foi para se libertar — foi para se prender a uma estratégia que pode parecer inteligente no curto prazo, mas que, no médio e longo prazo, o condena à irrelevância. Não por ter mudado. Mas por ter se tornado indistinguível dos que antes combatia com tanta fúria e brilho retórico.