A Palavra de Deus é um convite incessante ao amor, um amor que se manifesta em duas dimensões inseparáveis: o amor a Deus e o amor ao próximo. Este último, longe de ser um mero acessório, é a condição sine qua non para a autenticidade do nosso amor a Deus. Afinal, como podemos amar um Deus que não vemos, se falhamos em amar o irmão que está ao nosso lado, com suas qualidades e, principalmente, com suas limitações?
Essa reflexão nos leva a um questionamento crucial: e quando não conseguimos amar aqueles que nos são “fatigosos”, que nos desafiam a paciência, que nos causam irritação ou mesmo dor? Estaríamos, nesse caso, falhando em nosso amor a Deus? A resposta, acredito, reside na complexidade da natureza humana e na contínua jornada de aperfeiçoamento que nos é proposta.
Quem são os nossos inimigos?
É importante, antes de tudo, definir quem consideramos nossos “inimigos”. O Papa Francisco nos oferece uma perspectiva esclarecedora: “Inimigos são também aqueles que falam mal de nós, que nos caluniam e nos enganam.” Não são apenas aqueles que nos prejudicam fisicamente, mas também aqueles que nos ferem com palavras e atitudes. A estes, somos chamados a responder com o bem, uma estratégia inspirada no amor.
O Evangelho nos convida a praticar a bondade como resposta à hostilidade, lembrando-nos de que “a ninguém deu licença de pecar” (Eclo 15,21). Vivemos em tempos de impaciência e conflitos, onde a tolerância e a compreensão parecem estar em falta. Acreditamos, erroneamente, que o tempo de crescimento do outro deve se adequar às nossas expectativas.
No entanto, a vida de Jesus nos ensina que a bondade e a paciência são fundamentais para construir relações fraternas. A fraternidade não é apenas uma atitude universal, mas sim a consequência de uma vida pautada nos ensinamentos do Evangelho.
Caminhar juntos em ano jubilar
Este ano jubilar, que a Igreja celebra com entusiasmo, é um convite especial para trilharmos esse caminho de bondade. Como nos lembra o Papa Francisco, em sua mensagem para a Quaresma: “Deus pede-nos que verifiquemos se, nas nossas vidas e famílias, nos locais onde trabalhamos, nas comunidades paroquiais ou religiosas, somos capazes de caminhar com os outros, de ouvir, de vencer a tentação de nos entrincheirarmos na nossa autorreferencialidade e de olharmos apenas para as nossas próprias necessidades.”
O amor aos inimigos deve ser acompanhado da oração. Perdoamos porque somos filhos do mesmo Pai, e é através da oração que o perdão se torna concreto. Sem ela, estaríamos apenas firmando acordos de convivência, e não praticando o amor genuíno.
Quando nos vemos incapazes de amar dessa forma, devemos nos lembrar do sacrifício de Jesus na cruz. Ali, no Calvário, Ele amou a todos, pecadores, santos, hipócritas e, principalmente, seus algozes. Ele nos amou até o fim!
O compromisso com a caridade
A fé cristã é exigente e nos pede um compromisso constante com a caridade, com o amor que se doa até o fim, mesmo quando julgamos que o outro não merece. Mas quem somos nós para decretar a “perda total” de alguém? A lição da cruz nos ensina que somos devedores de amor até mesmo para com aqueles que nos ofenderam.
Aqueles que se aproximam da Palavra e da Eucaristia não podem ser indiferentes aos seus irmãos. Não podemos tratá-los como inimigos, mas sim como membros do mesmo corpo de Cristo.
Que a força do Evangelho nos impulsione ao trabalho concreto da caridade! E que as graças do ano jubilar nos encontrem dispostos a servir a todos os nossos irmãos e irmãs.