A delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-assessor de confiança de Jair Bolsonaro, trouxe à tona afirmações explosivas: Michelle Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro integrariam a ala “mais radical” de um grupo que planejava um golpe de Estado após a derrota eleitoral de 2022. Segundo Cid, mãe e filho pressionavam o então presidente a agir contra as instituições, alimentando a ilusão de que contavam com apoio popular e de grupos armados. Contudo, um ano após o depoimento, o relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o caso não apenas omitiu Michelle, como relegou Eduardo a uma menção lateral. Como explicar essa dissonância entre a narrativa de um colaborador chave e a aparente leniência das investigações?
A Contradição que Incendeia Perguntas
Mauro Cid não é um personagem secundário. Sua proximidade com Bolsonaro lhe conferia acesso a conversas reservadas e estratégias do núcleo duro do governo. Seu testemunho, ainda que marcado por interesses próprios (já que delações premiadas são, por natureza, transações com a Justiça), não pode ser descartado como mera ficção. A ausência de Michelle e Eduardo no relatório da PF, porém, sugere uma desconexão inquietante. Seria falta de provas materiais? Ou um sintoma da complexa teia de influências políticas que ainda protege a família Bolsonaro?
A resposta pode estar na própria natureza das instituições brasileiras, historicamente reféns de hierarquias e pressões. A PF, subordinada ao Ministério da Justiça, opera em um campo minado por interesses partidários. Já a Procuradoria-Geral da República (PGR), que agora analisa o caso, enfrenta o desafio de equilibrar legalidade e pragmatismo em um cenário onde os Bolsonaro seguem como força política relevante.
O Jogo Político por Trás das Omissões
Não é coincidência que, enquanto o relatório da PF silencia sobre Michelle e Eduardo, ambos sejam cotados para disputar a Presidência em 2026. A estratégia é clara: manter a base bolsonarista aquecida, transferindo a liderança para figuras que, supostamente, escaparam das manchas jurídicas do patriarca. Mas e se a mancha não foi apagada, apenas ignorada?
A omissão de seus nomes no documento oficial não os inocenta perante a opinião pública. A sociedade merece saber se futuros candidatos estiveram envolvidos em tramas contra a democracia. Afinal, o mesmo relatório que os poupou indiciou 40 pessoas, incluindo militares e aliados, por crimes como associação criminosa e tentativa de golpe. Como justificar a exclusão de dois nomes centrais nas conversas descritas por Cid?
A Democracia Sob o Risco da Impunidade Seletiva
O caso expõe uma ferida aberta na democracia brasileira: a percepção de que a Justiça age com dois pesos e duas medidas. Se, por um lado, as instituições avançaram ao investigar e prender autores dos ataques de 8 de janeiro, por outro, a lentidão (ou hesitação) em responsabilizar figuras de alto escalão alimenta a desconfiança.
A delação de Cid precisa ser investigada com rigor, não apenas como peça jurídica, mas como termômetro ético. Se há indícios de que Michelle e Eduardo incitaram um golpe, por que a PF não os seguiu? Faltou coragem? Ou faltaram elementos concretos, reduzindo o depoimento a acusações vagas? A PGR tem o dever de esclarecer — e o STF, de assegurar que o processo não seja arquivado por conveniência.
Conclusão: O Preço do Silêncio
A história recente do Brasil mostra que a impunidade de elites políticas é um combustível perigoso. O mensalão, a Lava Jato e agora o caso Mauro Cid deixam claro: quando figuras poderosas escapam da accountability, a democracia paga o preço.
Michelle e Eduardo Bolsonaro podem até não estar nos autos da PF, mas estão no banco dos réus da opinião pública. Cabe à Justiça provar que seu veredito não será ditado por cálculos eleitoreiros, mas pela Constituição. Enquanto isso, a sociedade deve permanecer vigilante. Afinal, um país que negligencia suas conspirações golpistas está fadado a repeti-las.
A democracia não é um jogo de palavras em relatórios — é um pacto que exige coragem para confrontar até os mais poderosos.