Política e Resenha

ARTIGO – Entre Novelas e Poder: A história não contada da Globo

 

 

(Padre Carlos)

A Rede Globo despontou como a grande protagonista da televisão brasileira graças a um capital substancial que veio de um acordo com a Time-Life em 1962, que aportou seis milhões de dólares — negociação que feriu a Constituição da época ao permitir participação estrangeira no capital de uma emissora nacional. Desde o início, essa parceria abriu caminho para a consolidação de um império midiático que mesclava glamour televisivo com relações discretas junto ao poder.

Mesmo antes de estrear seus primeiros cenários, o grupo editorial endossou o golpe de 1964 sem reservas, saudando a deposição de João Goulart como um “ressurgimento da ordem” e alinhando-se aos militares em editoriais favoráveis à intervenção. Esse compromisso antecipou uma longa fase de silêncio sobre tortura e repressão, enquanto as vozes dissidentes eram censuradas ou simplesmente omitidas dos noticiários.

No ápice dos anos de chumbo, não bastasse o silêncio, a emissora chegou a veicular propaganda elogiosa ao AI-5 e reforçar, em manchetes e boletins, o discurso oficial que restringia liberdades individuais — uma cumplicidade que se estendeu à edificação de um imaginário nacional acrítico.

Com a sociedade pedindo passagem, o movimento das Diretas Já em 1984 encontrou uma cobertura tímida e muitas vezes descompassada com a intensidade das ruas, diminuindo a relevância dos protestos por eleições diretas e jogando as imagens dos comícios no espaço reduzido do fundo do jornal. Somente anos depois, num raro mea-culpa, a Globo admitiu que aquele silêncio foi “um erro” na transição democrática.

Em 1989, a emissora exercitou seu poder de moldar narrativas ao editar trechos do debate entre Fernando Collor e Lula, privilegiando o então candidato vitorioso e deixando o petista em desvantagem — episódio que a própria direção reconheceu ter sido desequilibrado.

Já na turbulenta fase do impeachment de Dilma Rousseff, críticas apontaram parcialidade na abordagem jornalística, acusando a Globo de reforçar o discurso pró-parlamentar contra a presidente e minimizar vozes contrárias ao afastamento.

O casamento entre a emissora e a Lava Jato escancarou uma aliança de conveniência: vazamentos seletivos, cascatas de supostas delações e um elogio constante ao juiz Sergio Moro compuseram uma cobertura que muitos classificaram como força-tarefa de marketing jurídico.

Enquanto isso, a Rede Globo consolidava seu domínio no mercado de TV aberta, com o Cade investigando possíveis práticas monopolistas e críticos apontando a concentração de concessões que inibe concorrentes e centraliza a narrativa em poucas mãos

Diante de tantas passagens em que a emissora preferiu a estabilidade do poder à solidez da crítica, conclama-se o público a buscar pluralidade e questionar o enredo único. Afinal, uma democracia saudável exige múltiplas vozes, não apenas aquela que se encarrega do “plim-plim” das noites nacionais.