Política e Resenha

ARTIGO – Entre o esquecimento e a indiferença: um chamado à consciência coletiva (Padre Carlos)

 

 

Salvador, berço da nação, primeiro sonho brasileiro. Cidade-fortaleza, cidade-igreja, cidade-mercado. Ao longo de suas ladeiras, o país nasceu entre o brilho da esperança e o peso da dor. Caminhar pela Rua do Taboão rumo à Avenida Jequitaia é mais que percorrer um trajeto; é viajar por séculos de contradições. As pedras portuguesas que resistem ao tempo ainda ecoam os passos dos que construíram essa cidade com suor, fé e resistência.

Mas o que acontece quando a história é deixada para trás? Quando o passado é transformado em cenário apenas para agradar olhares passageiros, sem incluir quem carrega essa história na pele, na memória e na vida cotidiana? O Taboão, elo histórico entre o Pelourinho e o Comércio, hoje é ferida aberta. O elevador, antes símbolo de mobilidade, tornou-se uma lembrança estática de um tempo que não volta. Ainda está lá, restaurado para fotos, mas sem restaurar a dignidade das pessoas ao redor.

Mesmo assim, acredito que há saída. A cidade que nasceu como sonho não está condenada ao pesadelo. Precisamos, sim, chamar à responsabilidade as autoridades competentes – mas não com pedras na mão, e sim com projetos, com escuta e com urgência. O silêncio oficial diante do tráfico que se alastra, da juventude capturada pelo craque, da miséria que habita becos fora dos roteiros turísticos – esse silêncio grita. Mas ainda pode ser rompido.

Salvador precisa de um novo pacto de cuidado com suas memórias e seus moradores. Que tal pensar em uma reocupação humanizada do centro histórico, que devolva dignidade sem expulsar os que ali vivem? Que tal olhar para os comerciantes do Taboão não como vestígios de um passado, mas como agentes de um futuro possível?

Da Jequitaia, podemos avistar dois Brasis. Um que resiste em silêncio, e outro que ostenta enquanto esconde sua dor. Mas não há barreira que não possa ser cruzada quando há vontade política e envolvimento cidadão. Salvador já foi capaz de inspirar o mundo com sua cultura, sua religiosidade e sua força popular. Pode, sim, ser um exemplo de cidade que se reconcilia com sua história e transforma dor em esperança.

O apelo é simples, mas urgente: que as autoridades caminhem por essas ruas não em comitivas blindadas, mas com o coração aberto para ouvir e agir. Que ouçam o murmúrio das pedras e das pessoas. Que vejam, com olhos sinceros, a Salvador que ninguém quer ver. Porque ignorá-la é perpetuar a injustiça.

A escolha é nossa. E o futuro, ainda pode ser diferente.