Política e Resenha

ARTIGO – Francisco e a Igreja viva: desmascarando os equívocos de Francesco Capozza

 

 

 

por Padre Carlos

É preciso muito mais do que indignação elegante para compreender os mistérios que regem a Igreja. Há momentos em que a crítica, travestida de zelo, serve menos à verdade do que às velhas paixões humanas: orgulho ferido, saudade do poder e medo do Espírito que sopra onde quer.

O artigo recente do vaticanista Francesco Capozza, que acusa o Papa Francisco de ter “dividido a Igreja” é, a rigor, mais sintoma do que diagnóstico. Quando acusa Francisco de ter dilapidado a liturgia e esvaziado o simbolismo da fé, o articulista revela menos preocupação com a substância do Evangelho e mais com a estética do sagrado — como se a força da Palavra dependesse da altura das mitras ou do peso das casulas. Esquece, ou prefere esquecer, que o Verbo se fez carne num estábulo, não numa catedral de mármore.

Ao lamentar a inclusão de figuras como Raffaella Petrini ou a bênção, ainda incipiente, de casais em situações irregulares, o autor não defende a doutrina — defende o status quo. Parece não perceber que a tradição viva da Igreja nunca foi um cofre fechado, mas uma fonte que transborda e se adapta sem perder sua pureza. Foi assim com os concílios antigos, foi assim no Concílio Vaticano II, é assim hoje. O que se acusa como “ruptura” é, de fato, a fidelidade àquela dinâmica evangélica que Francisco, com coragem evangélica, retomou.

As lágrimas derramadas sobre as nomeações “não tradicionais” de cardeais revelam, no fundo, a nostalgia de um clericalismo que Francisco, em boa hora, combateu. Que os grandes arcebispos italianos não estejam automaticamente entre os eleitores não é um golpe contra a Igreja — é a lembrança de que a Igreja não é uma oligarquia romana, mas o Corpo de Cristo, cuja cabeça é o próprio Senhor, e cuja força brota do Espírito, não dos jogos de poder de uma aristocracia eclesiástica.

Acusar Francisco de ter dividido a Igreja é ignorar que a divisão sempre existiu — e que, se ela agora aflora, é porque máscaras foram arrancadas. Quem se sente “dividido” diante da misericórdia, da inclusão e da reforma não está dividido por culpa do Papa, mas porque já vivia, secretamente, em dissidência com o Evangelho da cruz e da ressurreição.

O estilo litúrgico mais simples de Francisco não “diluiu” o impacto da fé. Ao contrário: recordou aos fiéis que Deus não é espetáculo, mas presença; não é aparato, mas mistério silencioso. Num mundo saturado de imagens vazias, a sobriedade é um poderoso testemunho contra o narcotismo dos sentidos.

E o que dizer da “chamada à ação” do articulista? Quer, no fundo, insuflar a ideia de que o conclave deveria ser uma contra-revolução, uma restauração pré-conciliar, um retorno nostálgico ao tempo em que as batinas eram impecáveis e os altares imponentes, mas a voz dos pobres ecoava apenas como ruído de fundo. Esse desejo de “restaurar a autoridade” nada mais é do que uma tentativa de restaurar privilégios.

É preciso, sim, rezar pelo novo Papa. Mas rezar para que ele seja mais um pastor com cheiro de ovelha, como Francisco, e não um príncipe nostálgico de uma corte em ruínas.

A crítica ao Papa não é proibida; ela é, inclusive, necessária, quando feita com amor à Igreja e fidelidade à verdade. Mas quando se confunde crítica com ressentimento, análise com revanche, elegância com manipulação, torna-se dever de consciência dizer: basta.

Que o conclave, iluminado pelo Espírito Santo, não se deixe intimidar pelos tambores da nostalgia, mas caminhe com firmeza, humildade e coragem rumo ao futuro que Deus, e não os homens, tem reservado para a Sua Igreja.