A pergunta “Jesus fundou a Igreja, concretamente com a constituição com que hoje se apresenta?” é central para entender a evolução histórica do cristianismo. A resposta, como defendem muitos teólogos e historiadores contemporâneos, é inequívoca: “Não.”
Herbert Haag, em sua obra “A Igreja Católica ainda Tem Futuro? Em Defesa de Uma Nova Constituição para a Igreja Católica,” sustenta que Jesus não fundou uma Igreja no formato institucional que conhecemos hoje. Ele é o fundamento da Igreja, mas não seu fundador. Este pensamento é compartilhado por teólogos como Karl Rahner e Walter Kasper, que questionam a ideia de Jesus ter concebido uma instituição formal e hierárquica.
Jesus não pregou a Igreja; Ele anunciou o Reino de Deus. Alfred Loisy, em sua polêmica obra “O Evangelho e a Igreja” (1902), resumiu bem essa ideia: “Jesus anunciava o Reino e o que veio foi a Igreja.” Após a crucificação de Jesus, os discípulos, inicialmente confusos e dispersos, começaram a proclamar que Ele estava vivo, o que os levou a se reunirem e formarem comunidades (ekklesiai), acreditando na iminente volta de Jesus para instaurar o Reino de Deus.
Essas primeiras comunidades cristãs se legitimaram de maneira democrática e carismática. Celebravam a Eucaristia em casas particulares, onde o dono ou a dona da casa presidia. Esse modelo contrasta fortemente com a estrutura hierárquica e clerical que se desenvolveu posteriormente. Conforme argumenta Hans Küng, a hierarquia ministerial da Igreja (bispos, presbíteros e diáconos) surgiu por motivos práticos com o adiamento da segunda vinda de Jesus e não como uma instituição ordenada por Cristo ou os Apóstolos. Assim, os ministérios da Igreja são produtos de um desenvolvimento histórico, não sendo imutáveis.
A ordenação sacerdotal, ao contrário da vontade de Jesus, levou a duas patologias: o clericalismo e o patriarcalismo. A Igreja se tornou uma sociedade composta por duas classes: hierarquia e povo, “clero” e “leigos,” obscurecendo a verdadeira comunidade de discípulos e discípulas de Jesus. Como disse Jesus: “Sois todos irmãos.”
A concepção da Eucaristia como sacrifício contribuiu para a separação entre o clero e os leigos, instaurando o celibato obrigatório e a exclusão das mulheres da ordenação sacerdotal. Isso gerou contradições gritantes, especialmente em tempos de confinamento: enquanto padres e bispos podem celebrar a Eucaristia sozinhos, as comunidades cristãs não podem.
Além disso, apesar de o cristianismo ter impulsionado a emancipação feminina em várias sociedades, a Igreja continua a discriminar as mulheres, não reconhecendo sua igualdade com os homens. Esse tratamento leva muitas mulheres a se sentirem humilhadas e, consequentemente, a abandonarem a Igreja.
A reflexão sobre a fundação da Igreja por Jesus e a evolução de sua estrutura institucional nos convida a repensar as práticas atuais e a buscar uma Igreja mais alinhada com os ensinamentos de igualdade e fraternidade de Jesus. Afinal, os ministérios devem existir para servir à comunidade, e não o contrário.