Política e Resenha

ARTIGO – Me fale das andanças, / Há um tipo de saudade que não dói (Padre Carlos)

 

 

Me fale das andanças, dos melhores momentos que passou. Me fale que eu vou te falar dos meus. Que foram tantos e tão nossos, que hoje doem na pele como sol de fim de tarde que aquece e arde. Eu tenho todo o tempo para ouvir os melhores momentos que eu vivi — são todos, todos eles, ao lado teu. Há um tipo de saudade que não dói. A saudade do que foi inteiro, do que foi amor sem medida, do que não precisa de ponto final para ser eterno.

Me fale dos teus caminhos, das andanças e dos cheiros que te marcaram. Me fale dos teus sorrisos largos, do vento na estrada, do tempo que nos vestiu de juventude. Porque eu também tenho histórias. E algumas delas têm o seu nome. Eu tenho tempo, todo o tempo do mundo, para ouvir — e reviver — os instantes em que o mundo era colorido e tinha uma utopia no coração.

Mas se você quiser, não vou lembrar. Não vou lembrar para não te constranger, me ver chorar. Porque quem ama com a alma sabe que há lembranças que não cabem nos olhos — elas escorrem. A gente fala então do que virá. Dos sonhos que ainda insistem, mesmo quando a vida decide, por capricho ou por destino, que o amor é coisa que se vive à distância. Mas, se te fizer sofrer lembrar, eu me calo. Falo só do futuro. A gente pode fazer de conta que amanhã ainda nos pertence.

Eu já não tenho todo o tempo do mundo — mas ainda tenho! — e vou viver da forma mais urgente, como quem corre atrás do tempo perdido, como quem escreve cartas e as envia ao vento. Porque ainda há vida pela frente, e viver passou a ser um ato de urgência desde que você partiu. Quem sabe onde parei de te amar? Talvez nunca tenha parado. Talvez o amor, como as águas, siga correndo por dentro, mesmo quando o rio parece seco.

E mesmo que isso possa acontecer — o fim, a despedida, o não mais — eu vou sentir saudade de você. Que culpa pode ter o coração, se ele bate por vontade própria? Que culpa pode ter a memória, se ela insiste em repetir teu nome no silêncio? Que pena que a vida quis assim — você, feliz, longe de mim, e eu, adorindo (sim, adorindo!) da minha solidão. Porque há solidões que a gente aprende a gostar, só para continuar amando em paz.

Sim querida, adorindo! Escolhi a palavra “adorindo” como uma licença poética que une duas chamas íntimas do amor e da saudade: o arder — aquela queima suave que acende a lembrança — e o doer — a pontada suave que faz o peito latejar. Nesse híbrido, cabem tanto o calor das memórias compartilhadas quanto a dor serena de reviver ausências, revelando que há sentimentos que não cabem em verbos comuns, mas pedem uma palavra capaz de transmitir a fusão entre calor e melancolia.

 

Se alguém vier pedir o meu conselho, direi com olhos marejados: a gente não aprende no espelho. O amor não se ensina com reflexos. A gente vive, sofre, tropeça, chora e, então, aprende. Se alguém vier me pedir conselhos sobre o amor, direi com a voz mansa de quem aprendeu na carne: não se aprende nada no espelho. Amor é estrada, tropeço, cura e ferida.

E cada amor é tanto e é tão diferente… A vida insiste em dar esse presente — mesmo que nos tire depois. E no fim, se nada mais restar, que reste a lição: cada amor é um universo novo, e mesmo que acabe, ainda é presente.

Comece o dia amando mais você, sim. E se a vida me der um novo recomeço, começarei o dia amando mais a mim — porque só assim terei espaço para amar o outro. Porque é aí, no amor que se tem por si, que começa o milagre de amar alguém.

E se, um dia, o coração resolver te esquecer… que culpa pode ter o coração?

Padre Carlos