Queridos leitores,
Ao encontrar uma foto postada por um amigo de longas datas no Facebook sobre a invasão que havia na Ondina antes de ser criada a Avenida Otávio Mangabeira, sentei em frente ao meu computador e comecei a digitar tudo o que estava sentindo. Ao mencionar a palavra “Pituba”, sou transportado para as raízes profundas de minha vida, uma jornada que começou há mais de meio século, na efervescência dos anos sessenta. Recordo-me vividamente de quando, aos cinco anos de idade, meu pai me levou para cortar o cabelo. Ah, aquele temido corte de “pipão”, realizado na barbearia de Chico Cabeleireiro, situada no bairro Cega Nego, em Salvador.
A Pituba, esse lugar de memórias, foi palco de transformações extraordinárias ao longo das décadas. Lembro-me de quando Antônio Carlos Magalhães assumiu a prefeitura de Salvador e realizou uma profunda reestruturação étnica na orla marítima, desde Ondina até o Bico de Ferro. Os pobres que moravam à beira-mar foram deslocados para a Boca do Rio, e assim nasceu o Jardim dos Namorados. As histórias de boemia, de mulatas dançantes e do saudoso Bar Bico de Ferro parecem desvanecer-se no eco do tempo. A expressão “Chega Nego”, que ecoava pela praia, perdeu-se no esquecimento. Aquela praia, onde os escravos desembarcavam clandestinamente, onde personalidades como Francisco José Godinho, Xaxá, Joaquim Alves da Cruz Rios e Francisco Lopes Guimarães deixaram sua marca, transformou-se no pacífico Jardim dos Namorados que conhecemos hoje.
O nome Pituba, outrora chamada de Prado Chega Nego, tem raízes profundas na história de Salvador. Remonta a uma época em que a praia servia como ponto de desembarque dos escravizados, trazidos por negociantes inescrupulosos. A área que agora é o Jardim dos Namorados foi um dia ocupada pelo famoso Bar Bico de Ferro, que deu nome a uma era e presenciou a vida pulsante da cidade. Contudo, essa parte da história foi apagada pelas intervenções urbanas necessárias para o progresso da cidade.
A transformação da Pituba, embora necessária para o desenvolvimento urbano, não deve apagar as memórias que estão gravadas nas ruas, nas pedras e nas histórias contadas pelos mais antigos. É vital preservar nossa identidade, reconhecendo as raízes que moldaram nossa comunidade. Ao olhar para o Jardim dos Namorados hoje, devemos lembrar da riqueza cultural e histórica que uma vez pulsou naquelas areias.
A Pituba é mais do que apenas um bairro; é um testemunho vivo da nossa história coletiva. Devemos honrar aqueles que vieram antes de nós, celebrando as memórias que moldaram a nossa identidade. Neste processo de evolução, não podemos perder de vista as lições do passado, pois são elas que nos guiam para um futuro mais consciente e respeitoso com nossa história.
Com gratidão pelas memórias que me ligam a esse lugar especial,
Padre Carlos