Os relatos da infância de Jesus, tão profundamente impregnados de simbolismo e poesia, são um convite a transcender a literalidade e buscar o significado profundo de um evento que marca não apenas o calendário, mas a história da humanidade. Como bem disse meu professor de exegese, Padre Wolfgang Gruen, SDB, esses textos não devem ser lidos como uma biografia moldada pelos padrões modernos nem como um tratado de ciência celestial. São obras de uma teologia literária que transcende o tempo, transmitindo verdades universais de maneira poética e envolvente.
No coração dessas narrativas natalinas, encontramos o testemunho de um Jesus que, em sua humanidade, manifesta a profundidade do Espírito de Deus. Ele não é um meteorito vindo de um cosmos distante, mas alguém que nasce no ventre da história, compartilha da vida humana e oferece um exemplo de abertura ao mundo e aos marginalizados. O curral humilde, os pastores excluídos da religião oficial, os magos estrangeiros, e até o pânico de Herodes compõem um quadro que nos desafia a reflexão sobre onde encontramos Deus: nos palácios ou na simplicidade de uma manjedoura?
Os textos sagrados que celebramos no Natal merecem ser reconhecidos como mais os relatos cronológicos; são narrativas espirituais que apontam para a verdade maior da fé cristã. Quando lemos esses contos com olhos literários, exigindo deles a precisão de uma história documental, encontramos contradições que nos levam a becos sem saída. Mas ao abordá-los como literatura religiosa, descobriu uma riqueza que transcende os detalhes e nos convida à contemplação.
Nesse contexto, a obra de Kahlil Gibran, Jesus, o Filho do Homem , é um exemplo brilhante de como os símbolos e personagens do tempo de Cristo podem ser trazidos para o presente. Gibran nos apresenta um evangelho atemporal, onde a humanidade é desafiada a considerar a forma mais elevada do ser humano em Jesus. É uma narrativa que, ao mesmo tempo, resgata o antigo e ilumina o novo, mostrando que a mensagem de Cristo continua a ressoar em nossa busca por sentido e plenitude.
Por isso, o Natal é mais do que uma data para comemorar o nascimento de um menino em Belém. É uma oportunidade para revisitar o nosso próprio “nascimento”, o batismo que simboliza um renascer radical. Talvez o maior presente que possamos oferecer a nós mesmos seja viver um Natal com fé adulta, que compreenda a profundidade da proposta de Jesus.
O velho Nicodemos, ao ouvir de Jesus a necessidade de nascer de novo, representa todos nós, presos às velhas estruturas de pensamento e práticas de fé. Nosso desafio é acolher esse convite ao renascimento diário, deixando que o Espírito de Deus nos transforme em novos seres, à imagem daquela que celebramos no Natal.
Que possamos fazer deste Natal um tempo de revisão de vida, de busca pelo essencial e de renovação interior. Assim, o nascimento de Cristo deixará de ser apenas um evento histórico para se tornar um acontecimento presente em cada um de nós, todos os dias.