Política e Resenha

ARTIGO – O Altar e a Vitrine: Reflexões sobre a Estética do Sagrado no Tempo do Capital (Padre Carlos)

 

 

Ao longo da minha vida de estudos em Filosofia e Teologia, venho observando um fenômeno que inquieta a alma: o surgimento de igrejas que, mais do que templos sagrados, lembram shopping centers. A fachada austera de pedra cede lugar às linhas retas do vidro fumê; o vitral colorido é substituído por painéis de LED vibrantes; a penumbra contemplativa, pela luz branca, quase cirúrgica, do neon. Lojas, cafés e espaços VIP aparecem onde, antes, o silêncio fazia morada.

Essa transformação não é apenas estética. Ela é o sintoma visível de uma mutação mais profunda: a conversão do espaço sagrado em palco de circulação eficiente de bens e desejos. Não se trata de julgar aqui a fé ou a religiosidade de quem frequenta tais lugares. Minha preocupação é outra: o que significa, filosoficamente, essa mudança de feições?

A estética, que desde Platão está associada à educação da alma, parece agora ser chamada a educar para o consumo, não mais para a transcendência. O espaço que deveria suspender o tempo, criar distância do cotidiano e nos abrir à dimensão do mistério, é hoje moldado para a aceleração, a otimização e a performance — como tudo mais na lógica neoliberal.

Rem Koolhaas, um teórico da arquitetura contemporânea, cunhou o termo “cidade genérica” para descrever aeroportos, shoppings e zonas comerciais: espaços que, em qualquer lugar do mundo, são indistinguíveis uns dos outros. Eles não têm identidade própria, não contam uma história, não exigem memória. Eles apenas funcionam. E é assustador perceber que nossos templos da fé estão sendo arrastados por essa mesma corrente.

O altar compete com a vitrine. A palavra compete com o entretenimento. A oração, com o consumo. Nesse cenário, resta perguntar: ainda somos capazes de habitar espaços que resistam à tirania da “melhor versão de si mesmo”, espaços que nos convidem à lentidão, à escuta interior, ao mistério?

Talvez hoje, mais do que nunca, precisemos recuperar a coragem de criar e preservar lugares que não sejam apenas eficientes, mas que sejam, acima de tudo, necessários para a alma. Porque um espaço que não nos chama para além de nós mesmos é apenas um espelho — e um espelho não salva ninguém.