Política e Resenha

ARTIGO – O Conclave, a Igreja e os Rumos do Mundo

 

(Padre Carlos)

Às vésperas do conclave que elegerá o sucessor do papa Francisco, o cardeal dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, nos oferece uma visão que merece ser cuidadosamente lida e discutida. Em entrevista à Folha de S.Paulo, dom Odilo relativiza a influência direta do papa sobre os grandes temas contemporâneos — guerras, crise climática, autoritarismos —, lembrando que o papel do pontífice é, antes de tudo, o de pastor da Igreja e não o de “governante do mundo”.

Esse olhar, embora sóbrio, revela uma tensão interessante: de um lado, a compreensão de que o papa não é um chefe de Estado global; de outro, a inevitável expectativa que o mundo lança sobre aquele que ocupa a cátedra de Pedro. Em tempos de tanta instabilidade, não se espera apenas espiritualidade do líder católico, mas direção, autoridade moral, coragem política. Francisco entendeu isso como poucos. Sua voz foi muitas vezes o último grito lúcido diante de um planeta em fratura.

A declaração de dom Odilo não é um recuo, mas uma distinção — talvez pedagógica — entre o mandato e a missão. Sim, o papa é escolhido pelos cardeais como pastor da Igreja; mas uma vez sentado no trono de Pedro, ele inevitavelmente se torna também um referencial para além da fé católica. Sua presença, suas palavras, seus gestos influenciam decisões e inspiram movimentos. A força de Francisco esteve exatamente nisso: em ter estendido o alcance da Igreja sem renunciar à doutrina, tornando-a, mais uma vez, presença relevante no debate civilizacional.

Curiosamente, o próprio dom Odilo reconhece que “há muito para se falar do legado do papa Francisco”, e que esse legado não está apenas em encíclicas ou exortações, mas também na sua “postura em relação aos pobres e descartados, à guerra e à paz, ao meio ambiente”. Ora, é justamente aí que se revela o caráter político — no melhor sentido da palavra — do ministério papal. O sucessor de Francisco, queira ou não, herdará essa expectativa.

O conclave que se aproxima será, portanto, mais do que a escolha de um homem. Será a escolha de uma direção, de um rosto para a Igreja no século XXI. E nesse ponto, a “neutralidade” institucional apontada por dom Odilo pode até ser necessária no processo de discernimento, mas não pode se tornar omissão diante da história. O próximo papa precisará sim “cuidar da vida e missão da Igreja”, como afirma o cardeal, mas isso implicará inevitavelmente em tocar o mundo — porque uma Igreja fechada em si mesma é uma contradição evangélica.

Seja africano, asiático ou italiano o novo pontífice, como admite o próprio dom Odilo, o que importa é que assuma o mundo como campo da missão. O Espírito sopra onde quer, e é no sopro da história que a fé se encarna. O que a Igreja decidir neste conclave ressoará muito além das muralhas do Vaticano.