Política e Resenha

ARTIGO – O Conclave da Naftalina: O Despertar Conservador no Vaticano (Padre Carlos)

 

 

A morte do Papa Francisco foi mais do que o fim de um pontificado: foi o estopim de uma batalha silenciosa que há anos fermentava nos bastidores da Igreja. Com sua partida, a ala tradicionalista encontrou o terreno fértil para emergir com força e bradar por um retorno aos moldes clássicos da Cristandade. Não se trata apenas de nostalgia, mas de uma ofensiva organizada, articulada em torno de símbolos, ritos e discursos que evocam o odor da naftalina — reminiscências de um tempo que muitos julgam superado, mas que outros anseiam ressuscitar.

Nos corredores discretos do Vaticano, encontros e publicações deixam claro o objetivo: interromper a marcha reformista iniciada por Francisco. O cardeal Gerhard Müller tornou-se o rosto mais visível dessa insurgência. Em entrevista contundente, ele resume o sentimento conservador: o capítulo aberto por Francisco precisa ser encerrado. Para Müller, a Igreja deve voltar ao que chama de “ortodoxia” — uma ortodoxia que, aos olhos de muitos, parece mais uma tentativa de congelar a Igreja em um tempo anterior ao Concílio Vaticano II.

A advertência de Müller contra a eleição de um “Papa herege” não é apenas retórica religiosa: é uma senha para o futuro conclave. Em suas palavras ressoam medos e esperanças: teme-se um Papa que dialogue com o mundo moderno; sonha-se com um pontífice que resista a qualquer ventania cultural. A narrativa de Müller inverte a lógica comum: aqui, o perigo não é o conservadorismo, mas a abertura.

Entretanto, por mais que Müller e outros tradicionalistas ergam sua bandeira, a realidade é complexa. Francisco nomeou cerca de 80% dos cardeais eleitores. Isso não garante a continuidade de seu projeto, mas torna a reversão conservadora mais difícil do que parece. Ainda assim, o bloco minoritário que se organiza nos bastidores pode exercer influência desproporcional, sobretudo se conseguir mobilizar o medo de uma ruptura doutrinária.

O aroma de naftalina que hoje impregna Roma não é apenas um cheiro de passado: é um alerta. A Igreja, diante de seu próximo conclave, precisa decidir se olhará para frente ou para trás. Se será fiel ao espírito vivo do Evangelho no mundo contemporâneo ou se se refugiará em fórmulas fossilizadas. O futuro de bilhões de católicos, e a própria relevância da Igreja no século XXI, dependem dessa escolha.