Política e Resenha

ARTIGO – O Golpe Que Nunca Foi: A Tentativa de Abolição do Estado Democrático de Direito (Padre Carlos)

 

 

 

 

A Polícia Federal, ao concluir o inquérito que investiga a tentativa de golpe contra o Estado democrático de direito, inscreveu nos anais da história política brasileira mais um capítulo de tensões e disputas narrativas. Entre os indiciados estão o ex-presidente Jair Bolsonaro, seu candidato a vice em 2022, o general Walter Braga Netto, além de figuras centrais de seu governo, como o general Augusto Heleno, o ex-diretor da ABIN Alexandre Ramagem e o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. A acusação é grave: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta da ordem democrática e organização criminosa.

O relatório da PF escancara uma realidade preocupante, mas também reveladora: a democracia brasileira permanece sob constante ameaça. Não é a primeira vez que forças políticas flertam com práticas autoritárias, mas o que impressiona é a magnitude e o protagonismo de figuras do mais alto escalão envolvidas nessa empreitada. Mais do que um ataque às instituições, é uma afronta ao pacto social que sustenta a nossa República.

O indiciamento, que certamente será alvo de acirrados debates judiciais e políticos, traz à tona algumas questões fundamentais. Até onde vai o compromisso de líderes políticos com o jogo democrático? Quais os limites entre discurso e ação quando se trata de contestar resultados eleitorais? E, sobretudo, como a sociedade brasileira pode se proteger de novas investidas contra o Estado de Direito?

A narrativa de 2022 e seus desdobramentos

Desde a eleição de 2022, marcada por discursos inflamados e questionamentos infundados sobre o sistema eleitoral, já se desenhava um cenário de instabilidade. A ausência de uma aceitação pacífica do resultado eleitoral alimentou uma base radicalizada que, em 8 de janeiro de 2023, protagonizou cenas de vandalismo nos Três Poderes. Agora, a PF avança na tese de que esse ato não foi espontâneo, mas orquestrado por uma rede que visava romper com a ordem constitucional.

Bolsonaro, Braga Netto e seus aliados enfrentam acusações que não são apenas jurídicas, mas morais e políticas. A tentativa de abolição do Estado democrático de direito não é apenas um crime contra as leis, mas contra o próprio futuro do Brasil como uma nação livre e soberana.

Democracia sob vigilância

Ainda que o indiciamento de líderes de destaque cause grande repercussão, ele reafirma o papel das instituições brasileiras na defesa do Estado de Direito. A Polícia Federal e o Judiciário demonstram que não há espaço para a impunidade, independentemente de quem ocupa o poder.

Contudo, há também o risco de politização do processo. Se, por um lado, é crucial que a justiça seja feita, por outro, é igualmente essencial que os princípios da imparcialidade e da presunção de inocência sejam respeitados. O Brasil não pode permitir que as investigações sejam usadas como instrumento de revanchismo político ou retaliação.

O papel da sociedade civil

Em meio a essa turbulência, a sociedade civil tem um papel fundamental. A história mostra que golpes e retrocessos não acontecem no vazio: eles prosperam quando a população se acomoda ou se divide entre narrativas simplistas. É preciso um engajamento coletivo para defender a democracia como um valor inegociável.

O indiciamento de Bolsonaro, Braga Netto, Heleno e outros nomes de peso lança um alerta: a democracia brasileira precisa de vigilância constante e de líderes que entendam que o poder não é um fim em si mesmo, mas um meio para servir ao bem comum. Cabe a nós, cidadãos, acompanhar de perto os desdobramentos desse caso e exigir transparência, justiça e respeito às instituições.

Se a história nos ensina algo, é que não há democracia sem participação. Que esse momento seja um marco não de retrocesso, mas de fortalecimento do Estado democrático de direito. Afinal, a liberdade é um bem caro e precisa ser defendida todos os dias, em todas as frentes.