Confesso aos senhores, com quase cinquenta anos de envolvimento na política, que nunca presenciei um cenário tão impregnado pelo mercantilismo como o atual como tenho visto na Bahia nos últimos tempos. A degradação dos princípios republicanos, sobretudo no que tange às instituições, está cada vez mais evidente. O Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e outros órgãos que deveriam zelar pela integridade pública parecem, cada vez mais, ser tratados como moedas de troca em um jogo de poder que visa garantir votos e favorecimentos, e não o bem comum.
O recente episódio divulgado pelo saite Política ao Vivo, envolvendo o deputado Mário Negromonte Jr., presidente do PP na Bahia, é um reflexo cristalino dessa lógica perversa. Aparentemente frustrado pela queda no número de prefeitos eleitos pelo seu partido, Negromonte Jr. enfrenta dificuldades em emplacar sua esposa, Camila Vasquez, procuradora do Ministério Público Especial de Contas, como conselheira do TCM. Em meio a essa tentativa de indicação, um pensamento parece lhe rondar: se outros, como ministros de alta relevância, conseguiram colocar suas esposas em cargos de prestígio, por que ele não poderia fazer o mesmo?
Esse raciocínio é sintomático de um sistema político que parece ter abandonado qualquer compromisso com a ética. As instituições, antes guardiãs da moralidade administrativa, tornaram-se peões nesse jogo, onde o poder pessoal e familiar fala mais alto que o mérito e a competência. A República, nesse contexto, não passa de uma fachada, enquanto os verdadeiros bastidores são dominados por acordos informais e promessas de influência.
É inevitável a comparação com o caso do ministro que, sem grandes dificuldades, conseguiu emplacar sua esposa em uma posição de destaque. Para Negromonte Jr., essa aparente facilidade deve ter soado como uma oportunidade perdida ou como uma injustiça. Afinal, se as regras tácitas da política permitem tal manobra, por que ele, que controla uma fatia considerável do PP, estaria sendo barrado?
Mas o que se perde nesse raciocínio é o impacto devastador que essa lógica tem para a confiança pública nas instituições. Ao tratarmos vagas em órgãos fiscalizadores como recompensas políticas, comprometemos a independência e a eficácia dessas mesmas instituições. Pior ainda, perpetuamos um ciclo vicioso no qual o interesse público é constantemente subjugado pelos interesses privados e partidários.
Onde amarrei meu burro por tanto tempo? A pergunta ecoa em muitos de nós que demos os melhores anos da nossa vida para construir este projeto, em algum momento, acreditamos que a política, apesar de seus defeitos, ainda era capaz de servir à coletividade. Hoje, com tantas evidências de uma política mercantilista, fica difícil manter essa crença. O sistema, ao que parece, foi cooptado por aqueles que veem o Estado como uma extensão de seus projetos pessoais e familiares, relegando o povo, mais uma vez, a mero espectador de um jogo do qual pouco participam e menos ainda se beneficiam.
O caso Negromonte Jr. é apenas mais uma página em uma longa história de desvirtuamento do serviço público. Mas ele também serve como um alerta: até quando permitiremos que a moeda de troca na política brasileira seja composta por cargos e influências, em vez de ideias e compromissos com a justiça social?