Política e Resenha

ARTIGO – O Peso das Saudades Inexplicáveis (Padre Carlos)

 

 

 

 

Saudade é uma palavra única em nosso idioma, carregada de um significado profundo e muitas vezes indescritível. Nos últimos anos, tenho sentido sua presença de maneira intensa e envolvente. Saudade de tempos que marcaram profundamente minha vida, de lugares que guardam fragmentos da minha história e de pessoas que, de uma forma ou outra, já não fazem mais parte do meu cotidiano.

O bairro da Pituba, onde vivi a minha infância, é um dos principais cenários dessas memórias. Ando pelas ruas de hoje, mas é a Pituba de ontem que se impõe em minha lembrança: o som das crianças brincando, o vento que soprava pelo litoral, a sensação de que o tempo corria mais devagar. Da mesma forma, o Nordeste de Amaralina, com sua vida pulsante, me lembra de uma juventude cheia de energia, repleta de descobertas, de amigos que compartilham sonhos que hoje parecem distantes, mas continuam vivos dentro de mim.

Sinto saudades da militância no grupo de jovens da minha paróquia, onde aprendi a força da coletividade, o poder transformador da fé em ação. E como não sentir falta do seminário? Ali construí as bases da minha formação acadêmica e espiritual. Foram tempos de reflexão, de incertezas, de busca por um sentido maior. Tantas conversas, estudos, experiências, tudo isso ecoa em minha memória, como uma marca indelével de quem me tornei.

Curioso é que essas saudades não surgem apenas dos fatos ou das pessoas, mas de sensações quase invisíveis: o cheiro de terra molhada após uma chuva, uma melodia que toca ao longe, uma voz que de repente evoca momentos distantes. São lembranças de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem deixei de cruzar pelas ruas da vida, de histórias que se interromperam sem despedidas adequadas.

É nesse ponto que a saudade dói mais: a ausência de uma despedida. Quantos ficaram sem um adeus? Quantas vidas partiram antes que eu pudesse me dar conta do quanto eram importantes? O tempo se encarregou de levar algumas dessas figuras, enquanto outras se dissolveram nas circunstâncias da vida.

E o que dizer das coisas que vivi sem me dar conta de sua magnitude no momento? As oportunidades que deixei passar, as alegrias que não aproveitei plenamente, as pequenas felicidades que não reconheci. Agora, quando olho para trás, desejo desesperadamente reviver tudo isso, como se fosse possível capturar o que, na pressa da vida, escorregou por entre os dedos.

Há, ainda, um tipo de saudade que é mais misteriosa: saudade de algo que não sei o que é. Um vazio que aparece sem explicação, uma busca interna por algo indefinido. Parece que há um pedaço de mim espalhado pelo tempo, e eu tento encontrar, em lugares e memórias, aquilo que perdi, mas não sei o que é, tampouco onde se foi.

Clarice Lispector, em toda sua sensibilidade, expressou muito bem esse sentimento de saudade inexplicável. É a saudade que não tem nome nem forma, que não se refere a uma pessoa, lugar ou coisa específica, mas a um estado de espírito, a uma experiência existencial de incompletude. O tempo passa, as coisas mudam, e ficamos sempre à procura de algo que nos faltou.

Talvez a saudade, no fim, seja isso: uma ânsia de voltar a ser completo, mesmo que saibamos que o passado nunca se recupera completamente. Ainda assim, continuamos buscando, porque é isso que nos mantém conectados ao que fomos, ao que vivemos, e ao que, em última instância, nos tornou quem somos.