Política e Resenha

ARTIGO – O PT e o Esquecimento dos Militantes: Quando o Poder se Sobrepõe à Luta (Padre Carlos)

 

 

 

 

O Partido dos Trabalhadores (PT), historicamente associado às lutas sociais e à defesa dos oprimidos, atravessa mais uma crise interna, revelando como o projeto de poder pode se sobrepor às bandeiras que outrora unificaram seus militantes. O recente afastamento de lideranças que apoiaram o candidato Kleber Rosa (PSOL) em detrimento de Geraldo Jr. (MDB) para a Prefeitura de Salvador é um sinal claro desse desgaste e da desconexão entre a cúpula partidária e suas bases. Essa dissidência não é apenas um gesto de descontentamento com a candidatura escolhida, mas uma manifestação de frustração diante do distanciamento crescente entre as direções partidárias e os movimentos sociais que, historicamente, deram corpo e alma ao PT.

A decisão de afastar figuras como Gilcimar Brito, Raimundo Bujão e Rodrigo Pereira, militantes profundamente enraizados nos movimentos sociais, aponta para um erro estratégico do partido. Esses líderes representam correntes e grupos que, ao longo de décadas, carregaram as bandeiras mais emblemáticas do PT: a luta pelos direitos dos trabalhadores, o combate às desigualdades raciais e sociais, e a defesa dos oprimidos. Ao afastá-los, o partido parece ignorar suas próprias raízes, colocando em primeiro plano um projeto eleitoral de curto prazo e deixando de lado o que sempre foi sua maior força: a militância.

O caso de Gilcimar Brito, que é parte integrante do Núcleo Popular, maior agrupamento de movimentos sociais dentro do PT, é simbólico. Sua punição revela como o partido, em busca de coesão eleitoral, está disposto a sacrificar lideranças que, em outros tempos, seriam celebradas por sua independência e compromisso com as lutas sociais. Da mesma forma, o afastamento de Raimundo Bujão, um respeitado líder do movimento negro, reforça a ideia de que o PT, ao priorizar a manutenção de uma estrutura de poder, está disposto a romper com setores que sempre foram parte essencial da construção de sua identidade.

Esse processo de afastamento de lideranças críticas dentro do partido nos remete a um problema maior: o distanciamento do PT de suas bases originais. O partido que nasceu nas fábricas, nas greves e nas ruas, parece ter perdido o contato com os movimentos sociais que o sustentaram por décadas. Essa dissidência interna, que emerge justamente em um momento eleitoral decisivo, não é um simples desentendimento entre facções. Trata-se de um sinal de que parte significativa da militância não se sente mais representada pelas escolhas feitas pelas lideranças partidárias.

É inegável que o PT enfrenta um dilema. A manutenção de Geraldo Jr. como candidato à Prefeitura de Salvador, em aliança com o MDB, parece ter sido uma escolha pragmática, visando à ampliação da base eleitoral. No entanto, esse pragmatismo tem um custo: o afastamento de setores que, para muitos, são a alma do PT. E quando um partido começa a tratar seus militantes como obstáculos a serem removidos, é sinal de que a essência de suas lutas está sendo corroída.

As dissidências internas são, de fato, um reflexo de descontentamento com os rumos tomados pelo partido. Quando a lógica do poder se sobrepõe às lutas, o resultado inevitável é o afastamento daqueles que, historicamente, sempre estiveram na linha de frente das batalhas. É possível que, no curto prazo, o PT consiga resolver a crise interna com o afastamento de seus líderes dissidentes. No entanto, no longo prazo, essa atitude pode ter consequências desastrosas para o partido, pois revela um distanciamento preocupante de suas bases.

O PT deve refletir se deseja continuar sendo um partido de movimentos sociais ou se caminha para se transformar em mais uma máquina eleitoral que, em nome do poder, esquece as lutas que o fundaram. A dissidência é, em essência, uma forma de luta e, muitas vezes, a última tentativa dos militantes de resgatar os valores que originalmente uniram o partido. Ao silenciá-los, o PT não apenas arrisca sua unidade interna, mas também perde parte de sua identidade histórica.

Em tempos de crise, é essencial que o partido olhe para dentro e reconheça que sua força sempre esteve nas ruas, nos movimentos e nos militantes. Ignorar isso pode ser um erro fatal para um projeto político que, cada vez mais, se distancia de suas bases. A pergunta que fica é: o PT ainda é o partido das lutas ou se tornou apenas um projeto de poder?