Por Padre Carlos
Há decisões que pesam como chumbo na consciência nacional — ou ao menos naqueles que ainda se permitem exercitar a consciência. A recente votação de quatro ministros do Supremo Tribunal Federal contra a manutenção da prisão de Fernando Collor — condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — é um desses episódios em que a toga se converte em cortina de fumaça. E, como todo bom espetáculo de ilusionismo, o truque é simples: distrair o público para que o essencial escape despercebido.
Gilmar Mendes, Luiz Fux, Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Quatro nomes, quatro votos, um mesmo gesto: o de olhar para o abismo e dizer que não o veem. Não importa o teor da denúncia, os 8 anos e 10 meses de pena impostos, o fato de que a condenação alcançou maioria. O que importa, ao que parece, é preservar o privilégio disfarçado de tecnicalidade, é proteger o círculo íntimo do poder com a mão invisível da impunidade.
Collor, é sempre bom lembrar, não é um inocente qualquer surpreendido por um erro judicial. Trata-se de um ex-presidente da República que, após décadas orbitando o centro do poder, acabou condenado no mais alto tribunal do país por crimes graves — e, mesmo assim, encontra guarida nos bastidores de uma Corte que deveria ser, acima de tudo, o altar da responsabilidade institucional.
É evidente que se trata de mais do que uma divergência jurídica. Há, nesse tipo de voto, uma mensagem codificada: a de que a lei, quando aplicada aos poderosos, exige um compasso diferente, uma hesitação respeitosa, uma dubiedade providencial. Em outras palavras, uma caricatura da justiça.
Sim, houve maioria para manter a prisão. Mas isso não alivia o desconforto cívico. Porque, se há algo pior do que um Judiciário que erra em bloco, é um Judiciário que se divide em torno do óbvio, como se o dever de proteger o erário e punir os corruptos fosse matéria opinativa.
Ninguém ignora que o Supremo está submetido a pressões. Mas há uma diferença entre resistir ao ambiente político e render-se a ele. A história do STF tem episódios nobres, mas também páginas vexaminosas — e este episódio, a depender da leitura futura, pode muito bem ocupar as linhas mais envergonhadas de um capítulo recente.
A sociedade brasileira, anestesiada por escândalos sucessivos, talvez já nem se espante mais. Mas deveria. Porque cada voto que relativiza o crime de colarinho branco é também uma autorização tácita para que ele se repita. Cada decisão que poupa os caciques da política é um soco na esperança dos anônimos que ainda acreditam na lei como horizonte civilizatório.
É hora de cobrarmos coerência, transparência e, principalmente, coragem das instituições. O Supremo não pode ser um refúgio de conveniências ou um bunker para os já poderosos. O Brasil merece mais do que isso. Merece juízes que não tenham medo