Política e Resenha

ARTIGO – Pastor com cheiro de ovelha (Padre Carlos)

 

 

 

Por décadas, ele caminhou pelas trilhas poeirentas dos Andes, celebrou missas sob tetos de zinco e partilhou o pão com comunidades marcadas pela pobreza extrema. Americano de nascimento, mas latino-americano por vocação pastoral, o atual Papa e ex prefeito do Dicastério para os Bispos carrega na pele e no coração as marcas de quem conhece profundamente a alma da América Latina. Durante estes anos em Roma, ele se tornou um dos homens mais influentes na definição dos rumos da Igreja Católica no mundo.

Com formação sólida em espiritualidade agostiniana, seu olhar pastoral é marcado por valores como comunidade, solidariedade e humildade. Para ele, a Igreja não é uma instituição hierárquica fria, mas uma comunidade viva, onde o bispo não governa como um príncipe, mas serve como um pastor atento às dores e alegrias do seu povo. Esse ideal agostiniano de comunhão não é teoria em seus discursos — é prática vivida e experimentada nas periferias andinas, nos povoados amazônicos, nas favelas urbanas.

Sua longa missão no Peru moldou não apenas seu sotaque castelhano impecável, mas, sobretudo, sua compreensão profunda das chagas sociais latino-americanas: a pobreza endêmica, os conflitos agrários, a exclusão histórica dos povos indígenas, e, ao mesmo tempo, a força regeneradora dos movimentos populares. Ele não vai olhar para a América Latina com o olhar distante de um Papa romano, mas com a memória viva de quem já sentiu a poeira das estradas e ouviu o clamor do povo. Essa experiência singular o torna uma figura especialmente relevante no contexto atual, quando o Papa Francisco buscou uma Igreja mais próxima das periferias, mais samaritana e menos clerical, com certeza pensou em Pastores assim para dá continuidade ao seu legado.

À frente do Dicastério para os Bispos, sua influência foi imensa — não apenas na escolha dos novos pastores, mas na definição do perfil episcopal que moldou o rosto da Igreja nas últimas décadas. Ele promoveu bispos com sensibilidade pastoral, atentos às realidades sociais, abertos ao diálogo e comprometidos com uma Igreja em saída. Em vez de uma Igreja autorreferencial e defensiva, ele apostou em lideranças capazes de construir pontes, não muros.

No contexto latino-americano, essa perspectiva foi vital. A região enfrenta desafios profundos: desigualdades gritantes, violência, migração forçada, devastação ambiental. Não há espaço para bispos indiferentes ou meramente administrativos. São necessários pastores com cheiro de ovelha, como insistiu em seu Pontificado o Papa Francisco, capazes de caminhar junto aos empobrecidos e aos esquecidos. Nesse sentido, o trabalho do ex prefeito e atual Chefe da Igreja não foi apenas administrativo ou burocrático: foi uma ação profundamente pastoral, com repercussões que tocou a vida concreta de milhões de católicos.

Seu legado missionário no Peru e sua sensibilidade agostiniana fazem dele uma das figuras-chave para compreender o presente e o futuro da Igreja. Ele encarna uma ponte entre o centro e a periferia, entre a cúria e os campos de missão, entre a tradição e a renovação. Mais do que nunca, a América Latina — e a Igreja universal — precisam dessa sabedoria construída nas trincheiras da vida real.

Em tempos de polarizações e incertezas, a voz e a ação desse pastor missionário apontam para uma Igreja mais fraterna, solidária e corajosa. Uma Igreja fiel ao Evangelho e, sobretudo, fiel ao povo.

Padre Carlos