Nos últimos anos, o distanciamento das esquerdas das bases populares deixou um vácuo na política, agora ocupado por movimentos da direita que, estrategicamente, se mostram próximos das periferias, oferecendo uma atenção que, até então, era território da militância social. O problema não é o “pobre de direita” ou o eleitor que vota em candidatos conservadores. O verdadeiro dilema é como a esquerda, na busca pelo poder político, negligenciou as bases que, historicamente, sempre foram seu alicerce.
Muitos ativistas e militantes de esquerda migraram das ruas para os escritórios de campanhas e se transformaram em profissionais do voto, distantes das necessidades e dos rostos que compõem o dia a dia das comunidades. As vilas, os bairros periféricos e os lugares onde a luta por melhores condições de vida deveria ser contínua foram esquecidos ou, no máximo, lembrados apenas durante o período eleitoral. É aí que se revela o esvaziamento do trabalho de base: aqueles que realmente deveriam estar presentes, ouvindo e compreendendo os anseios do povo, desapareceram.
Enquanto isso, a direita, que também tem interesses eleitorais, se organiza em torno de temas como segurança, propriedade e melhorias concretas nas comunidades. É irônico, mas hoje são setores conservadores que se aproximam do eleitorado periférico, não porque são altruístas, mas porque entenderam que essa aproximação oferece uma base sólida para disputar o cenário político. Eles sabem que, sem essa base, qualquer projeto político desmorona.
Essa ausência de presença social dos movimentos progressistas não acontece por acaso. Nos últimos anos, uma bolha de classe média e classe média alta, formada em parte por intelectuais e militantes de esquerda, desenvolveu uma agenda de debate cada vez mais alienada das questões que afligem o cidadão comum. Debates sobre temas importantes como racismo e igualdade social ficaram restritos a um circuito fechado de pessoas com consciência política pré-estabelecida, mas que muitas vezes não enfrentam as dificuldades cotidianas de uma periferia. A quem interessa um discurso que não alcança o povo?
Se a esquerda não deseja ver suas fileiras encolhendo, é imperativo que retorne às ruas, aos bairros, às vilas, e que faça o verdadeiro trabalho de base, aquele que não se constrói em dias ou meses, mas em anos. É preciso entender que a luta política não se dá somente nas eleições; ela começa muito antes, na construção de laços, na solidariedade de quem está doente ou desempregado, na presença constante em cada bairro e esquina. Caso contrário, a esquerda corre o risco de se isolar em bolhas de ativismo performático, enquanto a direita, de olho nas oportunidades, expande sua influência onde realmente importa: nas bases populares.
Se a esquerda deseja ser um verdadeiro representante dos interesses populares, deve ir além das bolhas intelectuais e buscar entender a materialidade das condições de vida de cada cidadão. Afinal, uma base forte não é construída em discursos, mas na presença real e diária junto ao povo, nas lutas concretas e cotidianas que forjam a consciência política nas periferias.