(Padre Carlos)
A Justiça brasileira parece, muitas vezes, uma entidade mística, volúvel, quase esquizofrênica. É essa oscilação entre o rigor teatral e a leniência desmoralizante que alimenta minha descrença. E por isso afirmo, sem temor de errar: não acredito na prisão de Jair Bolsonaro.
A memória recente não me deixa mentir. Fernando Collor de Mello, réu condenado pelo STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, recebeu uma pena de oito anos e dez meses. Pois bem: sequer esquentou o assento da cela. Em poucos dias, estava livre, leve em sua cobertura de 9 milhões. Agora é a vez de Roberto Jefferson, condenado a sete anos de prisão, ser libertado.
O que isso nos ensina? Que, na República dos Arranjos, a justiça é seletiva, estratégica, e muitas vezes se curva a conveniências políticas, institucionais ou de classe. Não se trata de ausência de provas, nem de garantias constitucionais sendo respeitadas — o problema está na incoerência crônica e na incapacidade de gerar credibilidade.
Bolsonaro, com seus múltiplos inquéritos, provas documentais e áudios comprometedores, parece mais um personagem blindado por um pacto tácito de não enfrentamento. Há medo do “mito”? Há cálculo eleitoral? Ou apenas a velha hipocrisia institucional? A mesma que permitiu que a tortura fosse banalizada, o autoritarismo flertasse com a legalidade e o golpismo desfilasse com broche verde e amarelo.
Enquanto isso, o cidadão comum, pego com um grama de maconha ou um botijão furtado, conhece, de verdade, o rigor da Justiça. Justiça que é cega — mas só para quem não tem CPF de luxo.
É por isso que eu não acredito na prisão de Bolsonaro. Não por falta de provas. Mas por excesso de precedentes.
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