Política e Resenha

ARTIGO – Quando o partido trai o voto popular

 

 (Padre Carlos)

 

A política brasileira vive, mais uma vez, um episódio que revela sua face mais dissimulada: a incoerência entre o discurso de campanha e a prática partidária. A recente decisão do PDT da Bahia de aderir à base do governador Jerônimo Rodrigues (PT) é um desses movimentos que deixam o eleitor órfão de representação. Em Vitória da Conquista, a situação se torna ainda mais emblemática. O diretório estadual do partido surpreende a população ao se alinhar com a base do governo estadual e, por consequência, como fica o alinhamento que tinha com a administração municipal e a prefeita Sheila Lemos (União), esta posição  contraria frontalmente o que vinha sendo defendido por seus quadros locais.

O presidente provisório do partido, Vinícius Rodrigues, ex-secretário de Saúde, afirma que “não houve uma orientação diversa”, mas como explicar, então, o evidente desalinhamento entre o novo posicionamento e a postura histórica do PDT na cidade? Como explicar o desconforto de vereadores como Muniz, que já se posicionou afirmando que não aceitou essa mudança, e que não foi sequer ouvido no processo?

O voto do cidadão é jogado ao vento quando partidos fazem esse tipo de manobra. Votamos em um candidato que estava alinhado à atual gestão municipal — com convicções claras, com discurso firme — e de repente, o partido do candidato muda de lado. A quem pertence esse mandato, afinal? Ao parlamentar, que representa o povo e sua vontade expressa nas urnas, ou ao partido, que pode mudar de posição como quem troca de camisa?

O governador comemora o movimento como um “progresso político”, mas o que há, na verdade, é um atropelo institucional. A governabilidade não pode ser construída sobre a negação do voto popular. Quando um partido mudo de lado sem consultar sua base, sem dialogar com seus representantes eleitos e sem prestar contas ao povo, o que temos é a falência do sistema de representação.

Essa política de conveniências — onde alianças são costuradas nos bastidores sem o aval das urnas — desmoraliza os próprios partidos e fortalece o descrédito da população. Jerônimo, que já articula com o PDT, avança na formação de sua base para a reeleição. Mas a que custo? E mais importante: com que legitimidade?

É urgente refletirmos sobre mecanismos que protejam o mandato parlamentar de imposições partidárias que contrariem as convicções políticas manifestadas em campanha. A fidelidade deve ser antes ao povo que confiou seu voto, e não à cúpula partidária que negocia posições nos gabinetes. Que política é essa em que a oposição vira governo por conveniência? Que democracia é essa em que o eleitor só é lembrado de quatro em quatro anos?

Se o voto é um contrato, quando o partido trai sua parte, cabe ao povo cobrar — nas ruas, nas redes, e principalmente nas urnas.