Política e Resenha

ARTIGO – Um Carro Novo ou Uma Nova Consciência?

 

(Padre Carlos)

Já faz algum tempo que venho acalentando a ideia de trocar de carro. O meu já tem dezesseis anos de estrada — desses, nove comigo. Está cansado, sim. Pede manutenção no motor, um retoque na pintura, talvez uma suspensão mais firme. Mas, a bem da verdade, ele ainda me serve. Leva-me ao centro da cidade, às compras no mercado e, vez por outra, encara a pequena viagem até a roça, cerca de 50 quilômetros de ida e volta.

Então, por que quero um carro novo?
Ou melhor: eu realmente preciso de um carro novo?

Foi nesse dilema silencioso, entre o desejo e a necessidade, que me deparei com uma história que ecoou fundo na alma: a de Henry Ford, o homem que revolucionou o transporte e se tornou símbolo do capitalismo industrial. Ao chegar à Inglaterra, já bilionário, Ford surpreendeu todos ao pedir o hotel mais barato da cidade. Sem ostentação, com um casaco velho herdado do pai, respondeu ao espanto do atendente com uma lição de sabedoria: “Aprendi a parar de pagar por aprovação. Não fiquei rico gastando. Fiquei rico entendendo o que importa… e o que não importa.”

Essa frase, simples e poderosa, me fez pensar que talvez a vontade de um carro novo não esteja nas reais necessidades do cotidiano, mas sim em uma tentativa inconsciente de alinhar-se a um padrão, de parecer atualizado, confortável, “adequado” aos olhos de um mundo cada vez mais ávido por aparências.

Vivemos numa sociedade onde o consumo, mais do que suprir necessidades, tornou-se uma forma de validação social. Carros, roupas, celulares — tudo se transforma em símbolo. E é aqui que o ensinamento de Ford ganha um brilho ainda mais forte: “Meu filho ainda está aprendendo. Ainda se preocupa com o que os outros pensam.” Quantas vezes, mesmo na maturidade, nós ainda agimos como o filho de Ford?

A cultura da obsolescência programada não está apenas nos objetos, mas também nas ideias e valores. Somos levados a crer que a felicidade está no novo, no mais caro, no mais tecnológico. Mas e a suficiência? E o contentamento com o que funciona bem, mesmo sem brilhar? E o respeito pelas coisas que nos serviram por anos?

Não, não estou dizendo que não se deve trocar de carro. Talvez em breve eu troque. Mas quero fazê-lo com consciência — não por vaidade, nem por ansiedade, nem por medo de parecer ultrapassado. Quero fazer como Ford: saber o que importa e o que não importa.

No fim, talvez não seja sobre carros, mas sobre escolhas. E sobre a liberdade de não comprar a aprovação alheia com parcelas a perder de vista.