A minha geração foi moldada pela resistência. Vivíamos em tempos sombrios, sob a sombra implacável da ditadura militar. Naqueles dias, a liberdade era um ideal distante, e as vozes dissonantes eram silenciadas com força bruta. Mas, como sempre, onde a opressão cresce, a arte floresce. A música, a poesia, e o teatro se tornaram trincheiras invisíveis, onde lutávamos com palavras, notas e melodias. E foi nessa trincheira que encontrei Chico Buarque.
Chico não era apenas um compositor ou poeta; ele era o porta-voz das nossas inquietações, das nossas angústias e das nossas esperanças. Para nós, ele simbolizava a resistência cultural, um guerreiro das palavras que enfrentava a censura com o lirismo afiado. Suas canções eram mais do que músicas; eram gritos de liberdade disfarçados de melodia. Suas letras traduziam com perfeição as dores e os sonhos de uma juventude que se recusava a se calar diante da tirania.
Para a minha geração, Chico Buarque era o eco da nossa luta por democracia, o companheiro que caminhava conosco. Em canções como “Cálice”, o silêncio imposto pela censura era rompido de maneira sutil e poderosa, expressando a repressão e o desejo de falar. Suas músicas não apenas narravam a realidade brutal daquele período, mas também semeavam esperança, mesmo em tempos em que parecia não haver espaço para sonhar.
Chico também olhava além das fronteiras do Brasil. Ele, assim como nós, se emocionou com a Revolução dos Cravos em Portugal, quando o povo português se levantou pacificamente para derrubar a ditadura. Suas composições “Tanto Mar” e “Fado Tropical” eram reflexos dessa empolgação e da solidariedade entre os povos lusófonos. A revolução portuguesa e a luta pela emancipação das colônias despertavam em nós, brasileiros, a esperança de que as tiranias também pudessem ser derrubadas por aqui. Era como se Chico estivesse nos lembrando que, embora nossas batalhas fossem locais, o sonho de liberdade era universal.
A poesia de Chico era a nossa válvula de escape. Suas letras, quando declamadas em rodas de conversa ou sussurradas entre amigos, traziam à tona a beleza e a dor do nosso tempo. Suas palavras nos faziam sentir menos sozinhos, nos davam forças para resistir e, acima de tudo, nos inspiravam a continuar sonhando com um mundo novo, mesmo quando esse sonho parecia impossível.
Para a minha geração, Chico Buarque não era apenas um artista; ele era o poeta da resistência. Ele não só retratou as dificuldades e tristezas de uma época de opressão, mas também foi capaz de traduzir as utopias e os desejos de uma nação que ansiava por liberdade. O que Chico fez vai além da música — ele capturou a essência de um tempo e a imortalizou. Suas letras transcenderam o tempo, a cultura e o espaço, tornando-se parte da nossa história.
Hoje, olhando para trás, sinto gratidão por ter pertencido a uma geração que, como Chico, não se calou. A sua poesia, sempre sensível e cheia de nuances, foi nossa bússola em meio à escuridão. Obrigado, Chico, por ser a voz que ecoou as nossas esperanças. Parabéns, poeta, por ter caminhado conosco em nossa luta por um Brasil mais livre e mais justo.
Padre Carlos