Política e Resenha

Cosme de Farias: O Guardião da Justiça Popular no Sesquicentenário de uma Vida Legendária

 

 

 

No cenário brasileiro, onde as desigualdades sociais e raciais ainda ecoam os grilhões do passado, a figura de Cosme de Farias surge como um farol de resistência e esperança. Neste sesquicentenário de seu nascimento (1875-2025), revisitar sua trajetória não é apenas um exercício de memória, mas um manifesto político sobre o poder da justiça popular.

Das Raízes Humildes à Construção de um Legado

Nascido em Salvador, no subúrbio de São Tomé de Paripe, Cosme de Farias era filho de uma negra liberta, em uma sociedade marcada pelo racismo estrutural pós-escravidão 6. Sua formação limitou-se ao ensino primário, mas sua sede por justiça o transformou em um rábula — advogado autodidata que desafiava as barreiras acadêmicas para defender os excluídos. Sua ascensão não foi apenas pessoal: foi um ato de insurgência contra um sistema que negava voz aos pobres e negros.

A Advocacia como Arma de Emancipação

Cosme não seguia os manuais jurídicos; escrevia sua própria doutrina na prática. Atuou em mais de 30 mil processos, muitos deles para libertar presos pobres que apodreciam nas cadeias sem julgamento. Seu feito mais emblemático foi a libertação de Dadá, viúva do cangaceiro Corisco, através de um habeas corpus que desafiava a lógica repressiva do Estado 1314. Para ele, os tribunais não eram salas de mármore, mas trincheiras onde a justiça precisava ser conquistada a cada palavra.

Sua coragem extrapolava as formalidades. Em uma cena icônica, acendeu uma vela no tribunal, declarando que “a Justiça anda escondida”. Esse gesto, mais que teatral, era um libelo contra a opacidade de um sistema que favorecia os privilegiados.

Educação: A Revolução das Letras

Cosme compreendia que a justiça social não se fazia apenas nos tribunais, mas também nas salas de aula. Em 1915, fundou a Liga Baiana contra o Analfabetismo, que manteve escolas e distribuiu cartilhas por décadas, alfabetizando milhares na periferia de Salvador 23. Sua cartilha do ABC tornou-se símbolo de emancipação, como relembrou o jornalista Clarindo Silva, que recebeu uma delas das mãos do próprio Major 9. Para ele, cada letra ensinada era um passo para romper as correntes da ignorância.

Política como Extensão da Luta Social

Eleito deputado estadual em 1914 e vereador por múltiplos mandatos, Cosme usou a política para amplificar suas causas. Na Assembleia Legislativa da Bahia, tornou-se o parlamentar mais idoso do mundo aos 97 anos, mostrando que a resistência não tem data de validade 23. Sua atuação contra a ditadura militar (1964-1985) e em defesa dos direitos trabalhistas durante a greve de 1919 revelam um homem que jamais se curvou ao autoritarismo 614.

Um Legado que Resiste ao Tempo

Em 2021, a OAB-BA concedeu-lhe postumamente o título de advogado, um reconhecimento tardio, mas simbolicamente potente, de que sua luta transcendeu as formalidades 1314. Seu nome batiza escolas, praças e o plenário da Câmara de Salvador, enquanto documentários como Quitanda da Liberdade revisitam sua trajetória 911. A reedição de Lama & Sangue (1926), seu livro sobre o estado de sítio na Bahia, resgata suas críticas à repressão e à inconstitucionalidade — temas ainda urgentes 6.

Conclusão: A Chama que Nunca se Apaga

Cosme de Farias não foi um herói de estátua, mas um homem que transformou limitações em alavancas para mudanças. Seu sesquicentenário coincide com um Brasil que ainda clama por justiça social, educação pública de qualidade e representatividade negra nos espaços de poder. Sua vida nos ensina que a verdadeira advocacia não se mede por diplomas, mas pela capacidade de incendiar consciências e iluminar caminhos.

Que seu exemplo inspire as novas gerações a carregar a tocha da justiça popular — não como uma relíquia do passado, mas como um chamado para o futuro. Afinal, como escreveu o poeta Rodolfo Coelho Cavalcante: “Ó meu Deus, Cosme morreu/ Outro igual jamais nasceu” 3. Cabe a nós provar que ele estava errado.

Padre Carlos