Salvador, no final da década de setenta e início dos anos oitenta, era uma cidade que fervilhava de vida. O som dos blocos de índios, com seus tambores ancestrais, enchia o ar, trazendo um ritmo que se entrelaçava ao calor do sol e ao cheiro inconfundível do dendê. Era um tempo em que a cidade parecia dançar, onde o pulsar do povo baiano ecoava por todos os cantos, seja nas ladeiras estreitas ou nas largas avenidas. Mas, em meio a esse vibrante turbilhão, havia um lugar onde o tempo se detinha, onde o barulho da cidade não conseguia penetrar e onde eu, um jovem vindo da periferia, descobri um mundo completamente novo: o Mosteiro de São Bento.
Situado na ladeira que se abre para a majestosa Baía de Todos os Santos, bem no coração da cidade, o Mosteiro de São Bento era, para mim, mais do que um conjunto de prédios antigos com suas paredes brancas e arcos imponentes. Era um refúgio, um santuário onde o ruído do mundo moderno não tinha vez, e onde cada som parecia uma oração. Ali, as horas eram marcadas pelo toque suave do sino, e a vida fluía em um ritmo diferente, um ritmo que remetia a um tempo em que a contemplação e a espiritualidade eram o centro da existência.
Quando atravessei os portões daquele mosteiro pela primeira vez, senti como se estivesse deixando para trás o mundo que conhecia. O que me esperava do outro lado era um universo de paz e serenidade, onde o silêncio era sagrado e a espiritualidade estava presente em cada canto. Fui recebido pelo Irmão Carlos, um homem cuja calma era contagiante, e logo percebi que estava diante de algo muito maior do que eu imaginava. As grossas paredes do mosteiro abafavam os sons da cidade, e dentro daquele espaço sagrado, eu me sentia envolto por uma tranquilidade que nunca antes havia experimentado.
Lembro-me bem do canto gregoriano que emanava da capela, preenchendo o refeitório com uma melodia que parecia vir de outro mundo. O som se misturava ao leve perfume das flores do jardim de inverno, criando uma atmosfera de pura harmonia. Ali, até mesmo o coração mais agitado era convidado a desacelerar, a respirar fundo e a encontrar um momento de comunhão com o divino.
Eu era o copeiro dos monges, e meu trabalho me permitia observar de perto a vida naquele mosteiro. Os monges, com seus hábitos brancos, moviam-se pelo lugar com uma serenidade que só a prática da fé poderia conferir. Eles eram os guardiões de uma tradição que remontava ao século XVI, e mesmo que o mundo ao redor estivesse mudando rapidamente, dentro dos muros do mosteiro, a rotina permanecia quase intocada, como um testemunho vivo da perenidade das coisas espirituais.
Carrego comigo lembranças queridas dos jovens noviços e dos irmãos mais velhos, especialmente do Irmão Pascoal, cuja sabedoria silenciosa era um conforto em dias difíceis. Mas, de todos os monges, é de Dom Timóteo, o abade, que sinto mais saudades. Ele foi para mim um verdadeiro pai, alguém que, com sua bondade e fé inabalável, me ensinou lições que carrego até hoje.
O Mosteiro de São Bento não era apenas um refúgio para os monges e fiéis. Era, e ainda é, um dos maiores tesouros culturais de Salvador. Sua biblioteca, com livros raros e manuscritos antigos, guarda a memória de séculos de história, enquanto a arte sacra que decora suas capelas e corredores é um lembrete constante da beleza que pode emergir da fé. Mas o que torna o mosteiro verdadeiramente especial é a sua capacidade de resistir ao tempo sem perder a relevância.
Em um mundo onde tudo parece efêmero, onde a velocidade é a moeda corrente e o barulho é constante, o Mosteiro de São Bento nos lembra da importância do silêncio, da reflexão, da busca por algo maior do que nós mesmos. Ele é uma âncora que nos prende àquilo que é eterno, um convite a nos desligarmos por um momento do caos do cotidiano e a mergulharmos na paz que só o espiritual pode oferecer.
Naquele tempo, Salvador vivia sob a sombra da ditadura, e o Mosteiro de São Bento era, para mim, um farol de calma e espiritualidade em meio ao turbilhão. Era um lugar onde o tempo era outro, onde eu encontrava realmente o que importava na minha vida. Ainda hoje, quando lembro daqueles corredores silenciosos, sinto a mesma paz, a mesma serenidade que me encantou a quase cinquenta anos atrás. E percebo que, por mais que o mundo mude, há coisas que permanecem, inalteradas e eternas, nos convidando a parar, ouvir e, talvez, redescobrir o que há de mais essencial em nós mesmos.