Política e Resenha

Daniel Almeida e a Encruzilhada da Esquerda: Entre a História e o Futuro

 

 

 

 

 

A notícia de que Daniel Almeida, deputado federal com seis mandatos consecutivos, buscará a reeleição em 2026 expõe uma contradição que define a esquerda brasileira neste século: a necessidade de preservar conquistas históricas e, ao mesmo tempo, renovar-se em um cenário político cada vez mais hostil. O alívio de parte da militância diante da confirmação de sua candidatura é compreensível, mas não esconde a dimensão do problema. A esquerda, que um dia foi símbolo de rebeldia e vanguarda, hoje enfrenta uma crise de reprodução de quadros. E Almeida, ainda que indispensável, é um espelho desse impasse.

A Força de Um Sobrevivente

Daniel Almeida não é um político qualquer. Sua trajetória é tecida com fios raros na política contemporânea: coerência ideológica, ligação orgânica com movimentos populares e uma resistência incomum aos ventos do pragmatismo. Ele próprio reconhece, em entrevista à rádio A Tarde FM, que sua permanência na Câmara é menos uma escolha pessoal e mais uma imposição das circunstâncias: “A minha média nas últimas quatro eleições é de 120 mil votos. Não podemos abrir mão disso”.

Os números justificam a estratégia do partido. Em um sistema político onde a reeleição é regra e a renovação, exceção, abrir mão de um candidato com capital eleitoral sólido é um risco calculado – especialmente para uma esquerda que, desde 2016, vive sob constante assédio judicial, midiático e eleitoral. Almeida, nesse sentido, é um sobrevivente. Mas sua resistência também revela uma armadilha: a esquerda tornou-se refém de seus próprios ícones.

O Funil que Estrangula o Futuro

Quando Almeida menciona o “funil muito apertado” para candidaturas ao Senado, está falando de um problema estrutural. A escassez de espaços de poder não é novidade, mas a dificuldade de projetar novas lideranças em meio a essa disputa é sintoma de uma doença crônica. Enquanto a direita investe em nomes jovens, muitas vezes descolados de trajetórias militantes mas eficazes no marketing político, a esquerda hesita entre dois caminhos:

  1. A idolatria do passado: a valorização excessiva de figuras consagradas, cuja autoridade moral é inquestionável, mas cujo discurso, por vezes, não ecoa em uma juventude ávida por novas linguagens e pautas.
  2. A pressa do presente: a tentativa de fabricar lideranças instantâneas, sem raízes em lutas coletivas, o que resulta em figuras frágeis e desconectadas das bases.

O resultado é um vácuo geracional. Enquanto Lula, Dilma, Boulos e Marielle (esta, tragicamente interrompida) dominam o imaginário da esquerda, poucos nomes emergem nos estados e municípios com a mesma força. A Bahia, terra de Almeida, é exemplo: um reduto histórico da esquerda, mas onde as novas lideranças ainda brigam por visibilidade.

Por que a Esquerda Não Renova?

A resposta envolve pelo menos três fatores:

  • A cultura partidária: partidos de esquerda, especialmente o PCdoB (legenda de Almeida) e o PT, tendem a priorizar a experiência em detrimento da ousadia. A lógica é compreensível – “não trocar o certo pelo duvidoso” –, mas perpetua dinâmicas centralizadoras.
  • O assédio institucional: a judicialização da política e o lawfare esgotaram energias que poderiam ser direcionadas à formação de quadros. Sobreviver passou a ser mais urgente que renovar.
  • A desconexão com as periferias digitais: a esquerda ainda não resolveu como dialogar com uma geração que consome política pelo TikTok, memes e streams. Enquanto isso, a direita ocupa esses espaços com narrativas simplistas e agressivas.

Almeida é Solução ou Parte do Problema?

Aqui reside o paradoxo. Daniel Almeida é, sim, necessário: sua experiência é um antídoto contra o amadorismo e o oportunismo. Mas sua permanência contínua também reflete a incapacidade do campo progressista de criar alternativas à sua altura. É como se a esquerda apostasse todas as fichas em um único tipo de jogador, enquanto o adversário treina todo o elenco.

O próprio Almeida sinaliza esse conflito. Em 2018 e 2022, ele tentou migrar para o Senado ou o governo baiano, mas foi contido pelo partido, que preferiu a segurança do mandato federal. Esse conservadorismo tático, ainda que justificável, adia o inevitável: uma hora, a esquerda precisará enfrentar o desafio de substituir não apenas pessoas, mas modelos.

Para Onde Olhar?

A renovação não virá de slogans ou campanhas midiáticas. Ela exigirá:

  • Investimento em escolas políticas: formação técnica e ideológica de jovens lideranças, algo que partidos como o PSOL tentam, mas em escala insuficiente.
  • Descentralização do poder: abrir espaço para que vereadores, sindicalistas e lideranças comunitárias ascendam a cargos nacionais, mesmo que isso implique perder algumas eleições.
  • Ousadia narrativa: incorporar pautas emergentes (como questões climáticas e digitais) sem abandonar o núcleo classista.

Daniel Almeida, ao buscar seu sétimo mandato, faz o que sabe fazer melhor: resistir. Mas a esquerda precisa de mais que resistência. Precisa de reinvenção. Seu alívio com a candidatura de Almeida é legítimo, mas não pode ser sonífero. Afinal, como lembra o próprio deputado, “abrir mão de 120 mil votos” é arriscado. Porém, abrir mão do futuro é muito mais perigoso.

 

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