Vivemos tempos desafiadores, marcados por uma seca implacável na Amazônia, temperaturas extremas, fome e desnutrição assolando populações indígenas. Em meio a esse cenário, o Brasil se vê imerso em debates acalorados sobre a redução das demarcações de terras indígenas, mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade da tese do marco temporal.
A advogada indígena e assessora jurídica da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Cristiane Baré, ressalta a resistência diária enfrentada pelos povos indígenas. Ela destaca que a tese do marco temporal, que limita os direitos territoriais dos indígenas a outubro de 1988, carece de sentido diante da história e das violações sofridas desde a invasão do Brasil.
Em setembro deste ano, o STF invalidou a tese, mas o Congresso Nacional, desconsiderando a decisão, aprovou um projeto de lei incorporando o marco temporal. Mesmo com o veto parcial do presidente Lula, o Congresso derrubou a decisão, gerando um impasse jurídico.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) defende o marco temporal, argumentando contra a “insegurança jurídica” que poderia afetar famílias no campo. Contudo, a busca por segurança não pode se sobrepor aos direitos históricos dos povos originários, que lutam pela preservação de suas terras.
O professor Wallace Corbo destaca a contradição legal gerada pelo marco temporal, que vai de encontro à Constituição. Ele alerta para a necessidade de uma declaração de inconstitucionalidade, podendo vir do STF ou de tribunais nos processos demarcatórios judicializados.
A recente decisão do STF também aborda a indenização para proprietários que receberam títulos de terras que deveriam ser consideradas áreas indígenas. A preocupação das organizações indígenas é compreensível, pois a boa-fé dos ocupantes é uma questão complexa, podendo paralisar o processo demarcatório.
Corbo ressalta que, embora a Constituição não preveja indenização, o STF entendeu o contrário, e a decisão deve ser cumprida. O desafio agora é conciliar a compensação sem travar o processo demarcatório.
Em um país onde 736 terras indígenas representam 13% do território, e quase 900 mil indígenas lutam por seus direitos, é imperativo que as decisões legais respeitem a história, a cultura e os direitos originários. A resistência persistirá, e a esperança está na reafirmação do STF em defesa dos direitos dos povos indígenas, consolidando a justiça e a equidade no caminho da transformação social.