Política e Resenha

Descriminalização do porte de maconha para uso pessoal é mantido

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, fixando em 40 gramas o limite para diferenciar usuários de traficantes, não é apenas uma vitória jurídica. É um avanço civilizatório que coloca o Brasil no rumo de políticas públicas baseadas em evidência, não em moralismo. Ao optar por tratar o uso de drogas como questão de saúde, e não de polícia, os ministros da Corte demonstram coragem para enfrentar tabus e salvar vidas.

Do Punitivismo à Razão: Um Debate que Avança

Por décadas, o Brasil replicou um modelo de “guerra às drogas” importado dos EUA, marcado por encarceramento em massa, violência institucional e estigma social. O Artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/2006), ao prender jovens com um baseado no bolso enquanto protegia grandes traficantes, era a face mais perversa dessa lógica. Com a decisão do STF, o país finalmente reconhece: prender usuários não reduz o narcotráfico; só alimenta a indústria do caos.

Ao substituir penas criminais por medidas administrativas — como advertência e cursos educativos —, o Supremo não está “liberando geral”. Está cumprindo seu papel constitucional de garantir que a lei não seja instrumento de opressão. Afinal, como lembrou o relator Gilmar Mendes, “ninguém deve ser tratado como criminoso por fazer escolhas pessoais que não violam direitos alheios”.

40 Gramas: Um Parâmetro para Reduzir Injustiças

A fixação do limite de 40 gramas, embora arbitrária, é um passo necessário para acabar com a discricionariedade policial que criminaliza pobres e negros. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que 63% dos presos por tráfico no Brasil são réus primários com menos de 30 gramas de maconha. Enquanto isso, brancos de classe média raramente são revistados em festas ou condomônios.

O STF não “inventou” esse parâmetro. Seguiu exemplos como Uruguai (40g), Portugal (25g) e Espanha (100g), países onde a descriminalização reduziu overdoses, infectados por HIV e custos do sistema prisional.

O que Muda (e o que Não Muda)

É crucial esclarecer: a maconha continua proibida. A decisão não legaliza o cultivo, o comércio ou o uso em locais públicos. O que muda é o tratamento dado ao usuário, que deixa de ser um “criminoso” para ser um cidadão que precisa de orientação.

A medida também não impede que estados e municípios criam políticas de redução de danos, como já ocorre em cidades como Recife e São Paulo, onde usuários são encaminhados a serviços socioassistenciais em vez de cela.

Uma Resposta ao Fracasso da Proibição

A proibição total das drogas falhou em todo o mundo. Nos EUA, onde 40% dos presos estão atrás das grades por crimes não violentos ligados a drogas, a epidemia de opioides mata 80 mil pessoas por ano. No Brasil, o tráfico movimenta R$ 10 bilhões anuais, financiando milícias e corrupção.

Ao descriminalizar, o STF não está incentivando o uso. Está reconhecendo que a solução para o vício não está no cárcere, mas na educação, na prevenção e no acesso a tratamento.

Os Ministros que Ousaram Enxergar Além

Aos ministros que votaram a favor — Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Edson Fachin, André Mendonça, Luiz Fux e Cristiano Zanin —, cabe o reconhecimento por resistirem à pressão de setores retrógrados. Em um Congresso dominado por pautas morais e uma sociedade ainda refém do medo, o STF assumiu o papel de guardião dos direitos humanos.

Como escreveu o filósofo Michel Foucault, “a prisão não corrige; apenas fabrica delinquentes”. Ao retirar o usuário dessa engrenagem perversa, o Supremo salvaguarda futuros.

O Caminho que Segue: Educação, não Repressão

Agora, é preciso ir além. Estados e municípios devem:

  1. Criar redes de acolhimento: Centros de atenção psicossocial (CAPS) preparados para lidar com dependentes.
  2. Investir em prevenção: Campanhas educativas baseadas em ciência, não em terrorismo moral.
  3. Regular o mercado: Discutir abertamente a legalização controlada, seguindo exemplos como Canadá e Alemanha.

Conclusão: Um Dia para Lembrar

14 de fevereiro de 2025 entrará para a história não como o dia em que o STF “liberou a maconha”, mas como o momento em que o Brasil escolheu priorizar vidas em vez de discursos vazios. Que esta decisão inspire um novo pacto social: menos armas, mais livros; menos cadeias, mais escolas.

Como bem resumiu o ministro Gilmar Mendes: “Não se combate drogas com políticas que produzem mortes”. A vida, afinal, é a única guerra que vale a pena travar.