Política e Resenha

Dom Timóteo: A Voz Profética que o Brasil Precisa Redescobrir

 

 

 

 

É vergonhoso o quanto negligenciamos nossas verdadeiras figuras de resistência e moral. Enquanto nos perdemos em discussões superficiais e glorificamos celebridades efêmeras, deixamos desaparecer da memória coletiva homens como Dom Timóteo Amoroso Anastácio – um beneditino cuja coragem nos momentos mais sombrios de nossa história deveria ser estudada em cada escola deste país.

Como é possível que tantos brasileiros sequer conheçam seu nome? Como permitimos que a história de quem abriu as portas de um mosteiro para proteger estudantes perseguidos seja apagada da consciência nacional? Esta amnésia coletiva não é acidental – é sintoma de um projeto deliberado de esquecimento que favorece a repetição dos erros do passado.

Num país onde frequentemente sacerdotes se acomodam aos poderes estabelecidos, Dom Timóteo fez exatamente o oposto. Quando a ditadura militar mostrava seus dentes mais afiados em 1968, este homem de batina preta transformou o antigo Mosteiro de São Bento da Bahia em trincheira de resistência. Ele não pronunciou palavras vazias de púlpito seguro – arriscou sua própria liberdade ao denunciar publicamente a prisão de opositores políticos como Haroldo Lima, salvando vidas concretas através de atos de coragem cívica.

O que mais me revolta é perceber como homens deste calibre são sistematicamente apagados de nossa memória, enquanto torturadores e cúmplices do autoritarismo recebem honrarias e têm seus nomes em placas de ruas! Que país é este que não consegue reconhecer seus verdadeiros heróis?

Dom Timóteo representa o tipo de cristão que precisamos celebrar: aquele que compreendeu que a fé exige compromisso com a justiça terrena, não apenas promessas de salvação futura. Enquanto outros religiosos se escondiam em rituais vazios de significado social, ele celebrava “Missas do Morro” com atabaques e berimbaus, reconhecendo a riqueza das tradições afro-brasileiras numa época em que o racismo religioso era ainda mais escancarado que hoje.

É inaceitável que nossas escolas ensinem tantas minúcias sobre conquistadores europeus enquanto silenciam sobre brasileiros que efetivamente lutaram pela liberdade em nossa própria terra! Como esperamos construir uma geração consciente se negamos a ela exemplos como o de Dom Timóteo?

Mas não devemos apenas nos indignar – precisamos agir. Sugiro três caminhos concretos:

Primeiro, pressionemos por uma revisão dos currículos escolares para incluir figuras como Dom Timóteo na formação de nossas crianças e jovens. A resistência à ditadura não pode ser um capítulo vago em nossos livros didáticos.

Segundo, exijamos das instituições religiosas posicionamentos mais claros diante das injustiças contemporâneas, lembrando-as do exemplo deste beneditino que entendeu que o evangelho tem implicações políticas incontornáveis.

Terceiro, resgatemos o diálogo inter-religioso que Dom Timóteo praticou, opondo-nos à intolerância crescente que ameaça a rica diversidade espiritual brasileira.

Tenho esperança. Se um monge, formado dentro das tradições mais antigas do catolicismo, conseguiu ser voz profética em seu tempo, também podemos encontrar em nós mesmos a coragem para nos posicionarmos hoje. A história de Dom Timóteo nos lembra que o verdadeiro cristianismo – e a verdadeira espiritualidade, qualquer que seja sua matriz – não se acomoda ao poder injusto, mas o desafia com a força da verdade.

Que a memória deste homem extraordinário nos inspire a recuperar o que há de mais nobre em nossa tradição de resistência. Dom Timóteo não pode ser apenas uma nota de rodapé em nossa história – deve ser um farol a nos guiar em tempos novamente desafiadores para nossa democracia.

Padre Carlos