Em tempos em que muitos se calam diante das injustiças, é necessário resgatar e celebrar a trajetória de figuras como Dom Zanoni, que completou 63 anos em 23 de janeiro. Seu caminho representa mais que uma simples biografia eclesiástica – é um testemunho vivo de como a fé autêntica não se contenta com abstrações teológicas, mas se manifesta na luta concreta pela dignidade humana.
É revoltante perceber como as elites de nossa cidade sempre tentaram sequestrar a imagem de Deus, transformando-o em mero instrumento de dominação e controle social. Esperavam que a Igreja fosse cúmplice silenciosa de seus privilégios, abençoando a exploração dos trabalhadores rurais e urbanos que ocupavam precariamente a serra do Periperi. Mas encontraram em Dom Zanoni e outros sacerdotes vocacionados uma resistência firme e uma compreensão radicalmente diferente do Evangelho!
Como aceitar que uma sociedade que se diz cristã tolere a opressão dos catadores de café e trabalhadores urbanos marginalizados? Este foi o contexto explosivo que forjou vocações autênticas em nossa diocese, incluindo a de Dom Zanoni, formado na escola do Pe. Benedito, para quem renúncia nunca significou anulação, mas expressão máxima de liberdade e amor.
O que mais impressiona e nos convoca à reflexão é a coragem exemplar deste homem de Deus que, mesmo sob ameaças de morte, denunciou publicamente o assassinato de Etelvino na fazenda Paixão e a chacina da fazenda Mucambo. Sabemos que proprietários de terra chegaram a planejar sua eliminação! É estarrecedor constatar que defender os direitos fundamentais dos mais pobres ainda seja motivo para sentenças de morte em nossa sociedade!
Sua luta incansável resultou em conquistas concretas – hoje o MST conta com 23 assentamentos na região. Isso demonstra que a indignação, quando transformada em ação consistente, produz frutos de justiça.
Dom Zanoni nos ensina, com seus 63 anos de vida e ministério, que não há paz sem justiça, e não há justiça sem a defesa intransigente da vida. Sua abertura para dialogar com padres casados revela um pastor que compreende que a misericórdia de Deus é mais ampla que nossas estreitas categorias institucionais. No encontro dos Padres Casados na Bahia, Dom Zanoni fez questão de marcar presença, celebrando com seus irmãos e demonstrando, de forma inequívoca, sua identificação com os desafios e as alegrias da vida compartilhada na fé. Em Belo Horizonte, mesmo impossibilitado de comparecer pessoalmente, ele enviou um vídeo onde expressava sua profunda oração e solidariedade, reforçando sua missão como um homem de Deus e um verdadeiro pastor, que transcende barreiras físicas para estar espiritualmente junto aos seus irmãos de fé.
Olhando para trás e refletindo minha caminhada vocacional e meus irmãos de Clero, vejo a figura de Dom Celso José na dedicação de Dom Zanoni e de vários irmãos desta Igreja particular do Sudoeste da Bahia que saíram para assumi várias dioceses e Arquidioceses neste Brasil. Hoje, constatamos que a trajetória deste pastor é um testemunho da verdade que quem busca a paz precisa, acima de tudo, trabalhar pela justiça. Sua história nos ensina que a defesa intransigente da vida é a primícias para aqueles que almejam construir uma sociedade mais justa e humana, onde o compromisso com a verdade e com o amor divino se traduz em ações concretas que transformam o mundo.
Precisamos urgentemente de mais vozes proféticas como a dele, capazes de denunciar sistemas de opressão e anunciar caminhos de libertação. Em um país onde a desigualdade social permanece como ferida aberta, o exemplo de Dom Zanoni nos desafia a não nos acomodarmos, a não nos calamos, a não aceitarmos que a exploração humana seja naturalizada.
Que esta homenagem não seja apenas um artigo ao vento, mas um chamado à ação coletiva e transformadora em cada comunidade onde a dignidade humana ainda é violada cotidianamente. Nosso compromisso com seu legado exige posicionamento claro e ações concretas. A história nos julgará não pelo que dissemos, mas pelo que fizemos diante da injustiça.