Política e Resenha

Igreja e Cremação: Reflexões sobre o Último Adeus

 

 

A questão da cremação sempre esteve envolta em uma aura de delicadeza e respeito, especialmente quando consideramos as tradições e crenças religiosas que permeiam nosso entendimento da vida e da morte. A Igreja Católica, há muito tempo, tem sua postura marcada pela preferência pela sepultura dos mortos, um ato que remonta aos primórdios do cristianismo.

Os primeiros cristãos, de acordo com a tradição, começaram a chamar o local de descanso dos mortos de “cemitério”. Essa mudança simbólica, saindo da ideia de uma necrópole para um terreno onde os corpos são depositados, reflete a visão de S. Paulo sobre a ressurreição: onde o corruptível é semeado para ressurgir incorruptível (Cf. 1 Cor. 15, 42).

A postura da Igreja Católica em relação à cremação evoluiu ao longo do tempo. Em 1963, o Papa Paulo VI permitiu a cremação, reconhecendo “razões de ordem higiénica, social ou económica”. No entanto, mesmo com essa concessão, a sepultura continuou a ser a preferência, uma forma de demonstrar maior estima pelos defuntos.

A recente instrução divulgada pelo Vaticano, por meio da Congregação da Doutrina da Fé, reafirma essa preferência pela sepultura. Ela destaca que, embora a cremação não seja proibida, a escolha por essa prática deve estar alinhada com os princípios da doutrina cristã. A instrução alerta para possíveis concepções errôneas sobre a morte que podem surgir com a cremação, como a visão da morte como aniquilação definitiva, fusão com a natureza, etapa na reincarnação ou libertação da ‘prisão’ do corpo.

A Igreja propõe que, caso a cremação seja escolhida, as cinzas sejam sepultadas em cemitérios ou locais sagrados. A rejeição da dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água, assim como a conservação das cinzas em peças de joalharia ou outros objetos, reforça a importância de manter um respeito solene pelo corpo após a morte.

A sepultura, além de ser um ato de despedida, facilita uma leitura do evento da morte em consonância com a perspectiva cristã. A cremação, por sua vez, demanda uma abordagem cuidadosa para evitar interpretações equivocadas sobre o significado final da existência humana.

Em um mundo em constante transformação, as tradições religiosas também se adaptam, mantendo a essência de seus ensinamentos. A relação entre a Igreja e a cremação, marcada por nuances e reflexões, reflete o constante diálogo entre as práticas contemporâneas e os valores fundamentais que orientam a compreensão da vida, da morte e da fé.