Em pleno 2025, testemunhamos um fenômeno que deveria ser inadmissível em um país que destina 1,6% do seu PIB ao sistema judiciário: a prisão de inocentes por simples erros administrativos. Não estamos falando de casos isolados ou exceções raras – apenas em uma semana, dois brasileiros comuns viram suas vidas transformadas em pesadelo por falhas que seriam evitáveis com procedimentos básicos de verificação.
Casos que envergonham o sistema
Alex Santos do Rosário, um merendeiro de 30 anos, foi detido em uma blitz no Rio de Janeiro por um crime ocorrido em Salvador – local onde jamais esteve. Uma simples inversão no nome do verdadeiro criminoso (Alex Rosário dos Santos) foi suficiente para que este trabalhador fosse jogado em uma cela superlotada com 70 detentos, exposto a condições degradantes, baratas, percevejos e comida estragada.
No mesmo dia, a diarista Débora Cristina da Silva Damaceno procurou uma delegacia em Petrópolis para denunciar agressão doméstica e acabou saindo algemada. O motivo? Um mandado de prisão destinado a uma traficante de Minas Gerais com nome semelhante: Débora Cristina Damaceno. Três dias de liberdade roubada por uma verificação que poderia ser feita em minutos.
A matemática da injustiça
Como pode o judiciário mais caro do mundo cometer erros tão primários? Um sistema que consome 1,6% do PIB nacional – proporção muito superior à de países desenvolvidos – deveria operar com precisão quase absoluta. Estamos falando de um aparato composto por profissionais altamente qualificados, com salários dignos de elites globais, infraestrutura tecnológica de ponta e recursos abundantes.
A pergunta que não quer calar: quantos “Alexes” e “Déboras” permanecem encarcerados injustamente, sem acesso a advogados, sem familiares instruídos ou recursos para provar sua inocência? Cada dia de liberdade perdida representa um fracasso institucional que não pode ser compensado por meras desculpas ou “sindicâncias” que invariavelmente não resultam em responsabilização efetiva.
O paradoxo da justiça seletiva
O mais revoltante nesta equação é constatar o contraste gritante: enquanto cidadãos comuns são encarcerados por erros administrativos banais, vemos reincidentes conhecidos sendo soltos com facilidade assombrosa. A balança da justiça parece calibrada para pesar mais contra os menos favorecidos.
Em uma era de inteligência artificial, blockchain e sistemas avançados de verificação biométrica, como justificar que pessoas sejam presas por homonímia ou semelhança de nomes? Que tipo de procedimentos de checagem são aplicados antes de se retirar a liberdade de um cidadão?
Por uma justiça responsável
Não podemos normalizar o absurdo. A nota emitida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prometendo “sindicância” é insuficiente e quase ofensiva diante da gravidade dos fatos. Precisamos de:
- Responsabilização efetiva dos operadores do sistema que cometem ou permitem estes erros;
- Compensação financeira imediata e proporcional para vítimas de prisões indevidas;
- Implementação obrigatória de protocolos de verificação múltipla antes da execução de qualquer mandado de prisão;
- Criação de um sistema centralizado e eficiente de identificação que elimine ambiguidades;
- Auditoria externa e independente sobre os processos decisórios que levam a prisões preventivas e temporárias.
A ineficiência judicial não é apenas um problema administrativo – é uma violação sistemática de direitos fundamentais que corrói a confiança nas instituições e perpetua desigualdades. Cada cidadão preso injustamente representa uma falha coletiva que todos nós, como sociedade, permitimos que aconteça.
Não podemos aceitar que um sistema financiado com nossos impostos, teoricamente desenhado para proteger os inocentes, se transforme em fonte de injustiça. A verdadeira medida de uma democracia não está apenas na existência de instituições, mas no seu funcionamento efetivo e justo.
Até quando nossa indignação será respondida com promessas vazias de “sindicâncias”? É hora de exigir uma justiça que faça jus ao investimento que fazemos nela – não apenas em recursos financeiros, mas em nossa confiança como cidadãos.