Política e Resenha

Maria Angélica: A Chuva que Purifica e a Luz que Persiste

 

 

 

 

Hoje, Salvador veste-se de céu cinzento, como se as nuvens, em silenciosa solidariedade, compartilhassem o luto dos que ficam. Despedidas, como bem lembrou Edvaldo Paulo, são pontes entre o efêmero e o eterno. Maria Angélica Pesce Paradela de Oliveira, nossa amada prima, parte hoje. Mulher de raízes italianas e portuguesas, baiana por escolha e por amor, leva consigo uma centelha da luz que sempre irradiou — mesmo quando a vida se fazia densa como o ar antes da tempestade.

Há uma poética inevitável em partir sob a chuva. A água que cai não apenas umedece a terra, mas parece conspirar com os sentimentos humanos: lava as mágoas, dilui as dúvidas e prepara o solo para o que virá. Maria Angélica, que fez de Salvador seu porto, deixa para trás não um adeus definitivo, mas um legado entrelaçado em dever cumprido. Como Lia, citada nas palavras de quem a amou, ela honrou sua fé, sua família e seu papel na teia social. Seu nome não será lembrado apenas pelas datas — 25 de março de 1945 a 28 de janeiro de 2025 —, mas pela forma como inspirou quem cruzou seu caminho.

Sua história, marcada pela pluralidade cultural, reflete uma vida de encontros. A herança italiana e portuguesa não se limitou a sobrenomes ou tradições; traduziu-se em acolhimento, em gestos que construíram pontes entre pessoas. Em Salvador, cidade que abraça contradições e celebra a diversidade, Maria Angélica soube ser farol: serviu, ensinou e, acima de tudo, amou. Não é casual que sua ausência seja sentida como uma pausa na melodia cotidiana — uma interrupção que a saudade, aos poucos, aprenderá a preencher com memórias.

A despedida, marcada para 30 de janeiro de 2025 no Cemitério Campo Santo, não é um mero ritual. O velório às 8h e a cremação às 10h, na Sala 8 do Velório, são momentos de convergência entre o humano e o divino. A religiosidade que envolve sua partida não se reduz a formalidades; é a expressão de uma crença que enxerga na morte não um fim, mas uma transição. Para os que creem, Maria Angélica agora repousa nos braços do “Amado Mestre Jesus”, reencontrando familiares queridos que a antecederam — um abraço celestial onde a chuva não alcança.

Ela leva consigo o perfume de uma existência doce e nobre, como bem destacam seus entes próximos. Perfume, vale lembrar, é invisível, mas impregna. Assim são as almas generosas: sua essência permanece nas risadas compartilhadas, nos conselhos sábios, nas mãos que ajudaram a erguer. Enquanto Salvador se despede dela sob um céu carregado, resta-nos a certeza de que Maria Angélica não se foi. Transformou-se em brisa que acaricia os rostos ao entardecer, em prece que une os corações, em lição que atravessa gerações.

Que possamos, então, chorar. Chorar como a chuva que, após inundar, renova. Despedir-nos, sim, mas com gratidão por tê-la tido entre nós. E, sobretudo, honrar seu nome vivendo os valores que ela cultivou: amor incondicional, fé inquebrantável e serviço ao próximo.

Descanse em paz, Maria Angélica. Enquanto aqui permanecemos, sob o manto úmido de Salvador, que tua luz — agora divina — brilhe serena, guiando-nos como sempre o fez.