Política e Resenha

Meus Carnavais de Chuva, Suor e Cerveja: Uma Crônica Nostálgica 

 

 

 

 

Em Vitória da Conquista, Bahia, enquanto a chuva outonal tamborila no telhado, meus pensamentos me levam de volta aos carnavais de Salvador. Ah, Salvador! Cidade que pulsa em cada esquina, em cada sorriso, em cada nota da guitarra baiana. Uma nostalgia doce e amarga me invade, como um aroma de acarajé que se espalha pelas ladeiras do Pelourinho. 

Lembro-me dos carnavais de chuva, suor e cerveja. Dos blocos de rua, das batucadas e cordões. Com um entusiasmo juvenil, arrastávamos multidões pelas ruas da cidade. Sérgio Sampaio, com sua poesia singela e visceral, traduzia o espírito daqueles jovens rebeldes e apaixonados: “Eu quero é botar meu bloco na rua, brincar, botar pra gemer…”. Cada bairro, cada escola, cada grupo de amigos se unia em uma explosão de cores, ritmos e alegria. 

A emoção de descer a ladeira de São Bento, em busca dos amigos, ainda pulsa em minhas veias. Encontrar os companheiros de militância em frente ao clube de engenharia, transformando aquele espaço no QG do DCE e do movimento de esquerda, era um ritual sagrado. Que saudade do cordão da orla, com Paulo Pontes, Dapieve, Aninha, Valdelio, Pedro Yapone, Anilson, Zezeu Pola e tantos outros! Jovens idealistas, sonhando com revoluções e transformações sociais. 

Após os debates acalorados e os sonhos de um mundo melhor, voltávamos para o Campo Grande pela Carlos Gomes. À noite, nos encontrávamos no Clube Português, onde a folia era embalada por marchinhas e frevos. Era um tempo de liberdade e transgressão, onde as máscaras e fantasias nos permitiam ser quem quiséssemos. 

Caetano e Gil, mitos da nossa cultura, cantando com a nova geração de artistas do carnaval baiano, me mostram que o tempo não passa para aqueles que vivem intensamente. Eles são a prova de que a arte e a paixão podem nos manter jovens e conectados com o espírito da época. 

O carnaval que habita minhas memórias, no entanto, não é o mesmo de hoje. Os trios elétricos eram menos numerosos, mas muito mais significativos. A guitarra baiana reinava absoluta, e os bairros tinham seus próprios blocos, seus espaços de celebração e identidade. O Circuito Campo Grande era o templo do carnaval, com suas ladeiras repletas de foliões e um espírito democrático que unia a todos em uma só voz. 

A volta de Caetano, após o exílio, marcou uma transformação no carnaval. A contracultura se misturou ao axé, e novas vozes e ideias surgiram. O carnaval se tornou um reflexo das contradições de uma sociedade em ebulição. A chuva, símbolo de renovação, levava consigo os amores, as mágoas e os sonhos. “E quando a chuva começa, eu acabo perdendo a cabeça”, cantava Caetano, e nós nos entregávamos à dança e à festa, esquecendo as preocupações. 

Hoje, sinto falta daquele espírito de outrora, onde cada bloco era uma extensão do coração de um bairro, onde a guitarra baiana era a estrela principal. Mas o carnaval evolui, e a poesia da festa continua a nos encantar, capturando o que somos e o que sonhamos ser. 

Na década de 70, o carnaval era uma válvula de escape para a opressão da ditadura. Lutávamos com as armas que tínhamos, transformando as ruas em palcos de protesto e resistência. Já nos anos 80, o carnaval se tornou uma estrutura empresarial, com trios elétricos gigantes e a ascensão do axé music. O Chiclete com Banana substituiu o Jacaré e o Saborosa, e o carnaval popular perdeu espaço para a megafesta. 

Assim seguimos, entre a nostalgia e a celebração. Que a chuva continue caindo, lavando nossas tristezas e renovando nossas esperanças. Que o carnaval continue a nos transformar, a nos libertar, a nos fazer perder a cabeça em meio à alegria. 

E que nunca nos esqueçamos daqueles carnavais de chuva, suor e cerveja, que marcaram nossa juventude e nos ensinaram a lutar por um mundo mais justo e igualitário. 

 

Padre Carlos