Política e Resenha

Na simplicidade de seu adeus, Francisco nos deixa seu maior legado

 

 

 

Em seu último gesto terreno, o Papa Francisco escolheu repousar não entre os mármores e o ouro do Vaticano, mas junto à Maria, em simplicidade. Num gesto inédito há mais de três séculos, seu corpo foi sepultado na Basílica de Santa Maria Maior, santuário mariano que tantas vezes procurou em oração silenciosa. Não foi apenas uma escolha de lugar, mas um derradeiro ensinamento: a Igreja deve ser, antes de tudo, mãe que acolhe, consola e guia. Esta escolha final ecoa perfeitamente sua mensagem mais constante: a verdadeira grandeza não reside no poder ou nos palácios, mas no serviço humilde e na compaixão compartilhada com os mais necessitados.

O pontífice que veio “do fim do mundo” transformou o papado não com grandes reformas doutrinárias, mas com gestos simbólicos que falavam mais alto que encíclicas. Lembro-me dele lavando os pés de prisioneiros, abraçando pessoas desfiguradas, dispensando a limusine papal, morando em um simples apartamento no Casa Santa Marta em vez do luxuoso Palácio Apostólico. Cada ato era uma homilia viva sobre o verdadeiro significado do cristianismo.

Francisco confrontou uma Igreja encastelada em suas tradições e privilégios com um desafio radical: voltar às origens, às ruas, às periferias existenciais. “Uma Igreja acidentada, ferida e manchada por sair às ruas é preferível a uma Igreja doente pelo fechamento e pela comodidade”, dizia ele. Enquanto muitos buscavam a segurança das respostas prontas, ele nos lembrava constantemente da primazia das perguntas incômodas, daquelas que nos tiram do conforto e nos lançam ao encontro do outro.

Em tempos de polarização extrema, ele nos convidou à cultura do encontro. Em uma era de consumismo desenfreado, nos chamou à sobriedade alegre. Diante da crise climática, insistiu com sua encíclica Laudato Si’ que não podemos separar a preocupação com os pobres da preocupação com o planeta, nossa casa comum.

Seus críticos o acusavam de ingenuidade política ou de negligenciar tradições centenárias. Porém, talvez seu maior desafio tenha sido justamente esse: mostrar que o radicalismo do Evangelho não se encaixa em nossas categorias políticas confortáveis, nem se submete à lógica institucional que frequentemente substitui o serviço pelo poder. “Quem não vive para servir, não serve para viver”, repetia o pontífice argentino.

A chama que Francisco acendeu permanece entre nós como um desafio. Não um desafio teórico ou teológico, mas prático e cotidiano: viver a revolução da ternura em um mundo endurecido pelo medo, pela indiferença e pelo individualismo. Seu sonho persiste não como uma utopia distante, mas como possibilidade concreta sempre que alguém escolhe servir em vez de ser servido, incluir em vez de excluir, construir pontes em vez de muros.

Em seu último descanso, junto à simplicidade de Maria na Basílica que tanto amava, Francisco nos deixa seu testemunho final: o poder passa, as instituições mudam, mas o amor revolucionário, aquele que se curva para lavar os pés do outro, permanece eternamente. Esta é sua herança mais preciosa – um convite constante a redescobrir que a verdadeira grandeza está escondida na simplicidade do serviço. Como ele mesmo nos ensinou: “Não é o poder que muda o mundo, mas o amor.”