Outro dia, andando pela cidade, encontrei um antigo amigo dos tempos de ministério sacerdotal. Ele, assim como eu, havia deixado o ministério para se casar e formar uma família. Sempre tive um carinho especial por ele, não apenas por ser mais novo, mas porque sua saída do sacerdócio ocorreu bem depois da minha. Naquele dia, porém, ao perceber sua tristeza, perguntei o que o afligia. Ele, cabisbaixo, respondeu: “Estou assim porque não posso comungar.”
Essa resposta me tocou profundamente. A angústia dele refletia um dilema que muitos enfrentam: a exclusão de um sacramento tão central para a vida cristã, a Eucaristia, por causa de escolhas que a Igreja institucional, em sua rigidez, julga incompatíveis com sua doutrina. E assim me veio à mente uma pergunta que ecoa em muitos corações: quem realmente está em pecado? Ele, que construiu uma família por amor, ou uma instituição que o impede de se dirigir à mesa da Eucaristia?
A resposta de Jesus, no Evangelho, nos oferece uma luz que muitas vezes é esquecida nas complexidades canônicas. Quando questionado sobre a lei e as tradições religiosas de sua época, Jesus constantemente desafiava as autoridades e sua interpretação rígida da fé. Ele nos ensina algo radical: o amor está acima de qualquer regra. O que ele mais condenava não eram os “pecadores” que buscavam perdão, mas os fariseus que se orgulhavam de seguir leis, esquecendo-se da misericórdia e da compaixão.
Em Mateus 9:13, Jesus declara: “Misericórdia quero, e não sacrifício.” Essa frase é poderosa, pois revela que Deus não está interessado em sacrifícios vazios ou em obediências mecânicas às leis humanas. O que Ele realmente deseja é o coração aberto, a misericórdia e a reconciliação. Quando meu amigo diz que está triste por não poder comungar, o que ele está dizendo, em outras palavras, é que sente falta dessa reconciliação profunda com Deus, de um encontro com a presença viva de Cristo. No entanto, a Igreja, em sua estrutura, lhe nega isso.
Mas vamos lembrar das palavras de Jesus na Última Ceia, quando instituiu a Eucaristia. Ele não disse: “Isto é o meu corpo, que será dado por vós, exceto por aqueles que não cumprirem todas as regras da instituição religiosa.” Ao contrário, Ele disse: “Tomai e comei; este é o meu corpo” (Mateus 26:26). Não houve ali restrições, somente um convite universal a todos os que quisessem participar de sua mesa.
A Eucaristia, em seu sentido mais profundo, é a expressão máxima do amor incondicional de Deus por nós. Não é uma recompensa para os “perfeitos” ou para os que seguem todas as normas, mas um alimento espiritual para os que se reconhecem em sua fraqueza e desejam estar em comunhão com Deus e com seus irmãos. Quando a instituição impede uma pessoa de comungar, ela está distorcendo o verdadeiro sentido desse sacramento. Está criando barreiras onde Cristo queria criar pontes.
Lembro-me também do encontro de Jesus com a mulher adúltera em João 8:1-11. Os fariseus, prontos para apedrejá-la, esperavam que Jesus confirmasse a condenação. No entanto, Ele os desarmou com uma simples frase: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra.” E um a um, eles foram embora, até que restaram apenas Jesus e a mulher. Ele, então, lhe disse: “Nem eu te condeno. Vai e não peques mais.” Esse é o Cristo que conhecemos: o Cristo que perdoa, que não condena, que convida ao arrependimento, mas nunca afasta alguém de sua presença.
Será que meu amigo, que decidiu construir uma família por amor, merece ser afastado da mesa de Cristo? Será que o sacrifício de Jesus na cruz, que foi feito para todos nós, deve ser restringido a alguns por causa de normas humanas? Se Jesus estivesse ali, naquele momento em que meu amigo expressou sua dor, Ele o abraçaria e diria: “Vem, este é o meu corpo, dado por ti. Comunga do meu amor.”
A verdadeira comunhão com Cristo não pode ser impedida por regras que não dialogam com o amor. O maior pecado não está naqueles que buscam a Eucaristia, mas naqueles que se sentem autorizados a negá-la a seus irmãos e irmãs. Afinal, Jesus sempre esteve ao lado dos excluídos, dos marginalizados, daqueles que, aos olhos das instituições religiosas, não eram dignos. No entanto, para Cristo, esses eram os preferidos do Reino.
Convido, portanto, todos nós a refletirmos sobre a verdadeira natureza da Eucaristia. Que tipo de fé estamos cultivando? Uma fé que julga e exclui, ou uma fé que acolhe e ama? Meu amigo, assim como tantos outros que amam a Deus e seguem a Cristo, merece estar na mesa da comunhão, não por perfeição, mas porque Cristo o chamou.
A Igreja é o corpo de Cristo, e seu papel não é o de juiz, mas de mãe amorosa, pronta para acolher e curar. Talvez, ao negar a Eucaristia, quem esteja realmente pecando seja a instituição que esqueceu o que Jesus verdadeiramente ensinou: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). O convite é para todos, sem exceção. E quem somos nós para dizer o contrário?
Padre Carlos