Política e Resenha

O DIA EM QUE O ESTADO BRASILEIRO TRAIU SEU POVO: 35 ANOS DO CONFISCO DAS POUPANÇAS (Padre Carlos)

 

Há exatos 35 anos, em 16 de março de 1990, o Brasil testemunhou um dos episódios mais vergonhosos de sua história democrática recente. Não foi um mero erro de cálculo econômico ou uma política mal implementada. Foi uma traição institucionalizada, um assalto oficializado à confiança e ao patrimônio do cidadão brasileiro.

O recém-empossado presidente Fernando Collor de Mello, que havia assumido a presidência apenas um dia antes, implementou o que ficou conhecido como “Plano Collor”, um conjunto de medidas econômicas que incluía o confisco de 80% de todos os depósitos em contas correntes e poupanças que excedessem 50 mil cruzeiros (aproximadamente R$ 6.000 em valores atualizados). Este não foi apenas um ato do governo, foi uma ação do Estado brasileiro em sua totalidade – aprovada pelo Congresso, validada pelo Judiciário, executada pelo Executivo.

Uma traição orquestrada

É imperativo entender: não estamos falando apenas do governo Collor. O confisco foi uma traição perpetrada pelo Estado brasileiro em sua complexidade institucional. O Congresso Nacional, que deveria representar os interesses do povo, não apenas permitiu, mas chancelou a medida. O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição promulgada apenas dois anos antes, considerou constitucional a violação da propriedade privada. Os meios de comunicação, o sistema financeiro, as elites econômicas – todos foram cúmplices silenciosos ou facilitadores ativos.

Enquanto milhões de brasileiros comuns perdiam o acesso às suas economias de uma vida inteira – dinheiro guardado para tratamentos médicos, para a educação dos filhos, para a segurança na velhice – uma minoria privilegiada, informada previamente sobre as medidas, conseguiu proteger seu patrimônio.

O impacto nas vidas reais

Os números são frios, mas os impactos foram devastadoramente humanos. Empresas quebraram da noite para o dia, incapazes de pagar salários ou fornecedores. Aposentados viram suas economias bloqueadas. Famílias que haviam economizado durante anos para realizar o sonho da casa própria viram seus planos destruídos. Pessoas morreram sem acesso a tratamentos médicos porque não podiam utilizar o próprio dinheiro.

Não estamos falando de abstrações econômicas. Estamos falando de vidas interrompidas, de sonhos destruídos, de confiança quebrada. Um trauma coletivo que permanece na memória dos brasileiros que o vivenciaram.

As lições não aprendidas

O mais revoltante é que, 35 anos depois, as estruturas que permitiram tal atrocidade permanecem intactas. O Estado brasileiro continua tratando o cidadão comum como mero detalhe em seus experimentos econômicos. A desconfiança nas instituições, tão profunda hoje, tem suas raízes em episódios como este, em que o Estado demonstrou que pode, quando conveniente, ignorar direitos fundamentais e tratar a propriedade do cidadão como recurso disponível para suas manobras.

A inflação foi temporariamente controlada, sim. Mas a que preço? A confiança destruída jamais foi reconstruída completamente. O cidadão brasileiro aprendeu, da forma mais dura possível, que seus direitos são negociáveis, que o compromisso do Estado com seu bem-estar é condicional.

Por uma memória ativa e transformadora

Relembrar os 35 anos do confisco não é exercício de nostalgia amarga. É um ato de cidadania vigilante. É recusar o esquecimento conveniente que permite a repetição dos mesmos erros sob novos disfarces.

É preciso construir um novo pacto entre Estado e sociedade no Brasil. Um pacto em que o cidadão não seja visto como meio, mas como fim de todas as políticas públicas. Um pacto em que a estabilidade econômica não seja conquistada às custas dos mais vulneráveis, enquanto os privilegiados são poupados.

O Brasil de 2025 é muito diferente do Brasil de 1990. Temos instituições mais maduras, mecanismos de controle mais robustos, uma sociedade civil mais organizada. Mas precisamos estar alertas. A memória do confisco deve servir como um lembrete permanente: o poder do Estado só é legítimo quando exercido em benefício de todos, quando protege os direitos de cada cidadão, especialmente dos mais vulneráveis.

É hora de exigir um Estado que sirva ao povo, não que se sirva dele. Um Estado que respeite o suor, o trabalho e as economias de cada brasileiro. Um Estado que nunca mais traia a confiança depositada nele.

O dia 16 de março de 1990 não pode ser apenas uma data no calendário. Deve ser um marco na consciência cívica brasileira, um lembrete constante de que a cidadania exige vigilância permanente, de que os direitos conquistados podem ser perdidos quando a sociedade se descuida.

Que esta data nos inspire a construir um Brasil onde semelhante traição jamais volte a acontecer.