Política e Resenha

O Espelho Implacável do Tempo: Quando a Juventude nos Acena do Passado

 

Há momentos em que a vida nos confronta com verdades que, embora suspeitássemos, teimávamos em manter à distância. Um desses momentos me assaltou recentemente, de forma inesperada e pungente, ao observar a fotografia de um velho amigo, companheiro das trincheiras ideológicas da nossa juventude. Ali estava ele, um senhor de quase setenta anos, o rosto sulcado por linhas que contavam histórias que eu desconhecia, o olhar talvez um pouco mais cansado, mas ainda com um brilho familiar.

Instintivamente, meus olhos buscaram naquele semblante maduro os traços do jovem impetuoso que conheci. Onde estava o sorriso fácil, a cabeleira revolta, a energia que parecia capaz de mover montanhas e derrubar sistemas? Procurei o rapaz que, ao meu lado, acreditava fervorosamente que poderíamos mudar o mundo antes do próximo amanhecer. E, na dificuldade de reencontrá-lo plenamente naquela imagem, uma lágrima teimosa escapou.

Não era apenas por ele, ou pela nostalgia de um tempo dourado e irrepetível. A lágrima era também por mim. Naquele instante, diante da imagem do amigo marcado pelo tempo, a ficha caiu com o peso de décadas. Aquele senhor na foto era um espelho. Um espelho que refletia não apenas a passagem dos anos sobre um rosto amigo, mas sobre o meu próprio.

A constatação foi súbita e cortante: eu também já não era “gatinho”. A juventude, com sua urgência e sua sensação de invencibilidade, havia ficado para trás. As batalhas que definiram nossa identidade juvenil, as assembleias inflamadas, as passeatas ruidosas, os sonhos compartilhados em noites insones regadas a café e esperança – tudo isso pertencia a um capítulo encerrado.

Descobri, naquela epifania melancólica, que eu estava como aquele velho militante. O “bom combate”, como nos ensinou o apóstolo Paulo, talvez ainda o lutássemos, mas de outra forma, em outra arena, com outras armas. As armas da juventude – o ardor, a pressa, a intransigência talvez – essas estavam sendo guardadas. Não por derrota, mas por transformação. O guerreiro incansável dava lugar a um veterano, cujas cicatrizes eram testemunhas silenciosas das lutas travadas.

É um rito de passagem universal, imagino. Aquele momento em que percebemos que a linha de frente já não é mais o nosso posto principal, que a energia já não se renova com a mesma velocidade, e que o horizonte temporal se encurtou. Não se trata de abandonar a causa, mas de reconhecer os próprios limites e a natureza cíclica da vida. Os ideais podem permanecer, mas a forma de lutar por eles se ajusta ao corpo que habitamos e ao tempo que nos resta.

Guardar as armas não significa render-se, mas talvez aceitar um novo papel. O papel de conselheiro, de mentor, de guardião da memória. Significa entender que a energia vibrante da juventude agora pertence a outras gerações, que assumem a dianteira com seus próprios sonhos e métodos. Significa olhar para trás com carinho, mas sem a ilusão de que o tempo pode ser revertido.

Aquela foto do meu amigo foi um presente doloroso, mas necessário. Um lembrete de que a vida é fluxo, e que cada fase tem sua beleza e seu propósito. Aquele senhor na foto, assim como eu, carrega as marcas do tempo, mas também a riqueza das experiências vividas, das lutas travadas, do amor partilhado e dos ideais que, mesmo guardadas as armas da juventude, ainda nos definem. A lágrima secou, mas a reflexão permaneceu: envelhecer é também acumular a sabedoria de saber quais batalhas valem a pena e reconhecer, com serena gratidão, o caminho percorrido.

Padre Carlos